ENTREVISTA | DARIO CHAVES : AUTOR DE ARTE SEQUENCIAL BRASILEIRA

Adilson Carvalho

Dario Chaves é jornalista, participou do projeto de criação da Gibiteca Henfil em São Paulo. Foi tradutor, traduziu o livro de RPG GURPS Conan para Devir. E, como editor, participou de revistas como a Pau Brasil, a HQ – Revista do Quadrinho Brasileiro, e também da edição brasileira da Heavy Metal. Além disso, colaborou com revistas como Heróis do Futuro, Comics Bookshop Magazine, foi editor das revistas Showmix, Top Comics, e, junto com outros autores, participou mais recentemente da revista Graphic Talents. Além de ter sido responsável pela tradução e adaptação dos livros da coleção Método DC. Hoje, Dario está publicando o seu livro A Arte Sequencial Brasileira, sobre o qual vamos falar aqui na nossa entrevista.

Adilson: Como você começou sua carreira no mundo editorial ? Dario: O Grupo Skona foi a minha primeira tradução profissional, acho que foi nos anos 90, final dos anos 1990 ou 1991, mais ou menos, não foi, não? Não lembro se eu já estava estudando ainda ou se já tinha me formado, mas foi mais ou menos por aí.

Adilson: E com tantos trabalhos assim, a gente percebe logo que você é um apaixonado pela nona arte, como também é chamado a arte sequencial, as histórias e quadrinhos, ou para pessoas como da minha geração a gente costumava chamar de gibi. Como foi o despertar dessa paixão? Dario: Sim, eu também cresci com esse nome, Gibi. Hoje ainda muita gente usa, mas acho que o pessoal gosta, para diferenciar de um gibi descartável, a gente usa o termo arte sequencial, mais gourmet, vamos dizer assim. Exatamente. Diferente de muita gente que conheço que diz que foi alfabetizado lendo quadrinhos, eu não, comecei um pouco mais tarde, comecei a colecionar quando já tinha meus 14, quase 15 anos, e comecei com os gibis super-heróis, como a maioria dos leitores jovens dessa faixa de idade começam, e me apaixonei pelas histórias, pelo estilo das histórias, pela forma de contar histórias. Em pouco tempo já estava lendo outros tipos de histórias. Basicamente, foi uma paixão bem à primeira vista mesmo.

Adilson: Você lembra quais foram os personagens que, nesse início da sua paixão pelos quadrinhos, quais os personagens que chamavam mais a sua atenção, quais os que conquistavam mais você para ler aquela revista, ter o hábito de colecionar? Quais personagens tiveram bem nesse iniciozinho? Dario: A minha primeira revista como colecionador foi Super-Homem # 1, de abril de 1984. Inclusive estava vendo agora o trailer do filme novo, que vai estrear em julho, e deu aquela palpitação, aquela memória emocional, vamos dizer assim. Comecei lendo com os quadrinhos DC, da editora Abril. O Superman, para mim, até hoje, ainda continua sendo o personagem, o único dos super-heróis que eu lia naquela época, que eu ainda curto bastante. Hoje estou numa outra fase, faz tempo que não leio e nem coleciono super-heróis, porque estou em outros tipos de quadrinhos. Mas o Superman sempre tem aquela carga emocional de ter sido o primeiro gibi que comprei como colecionador.

Adilson: Os quadrinhos, na verdade, para quem não é da nossa geração, para quem é novo, não imagina que os quadrinhos tinham uma diversidade impressionante, não só super-heróis, mas por exemplo, Mortadello e Salaminho, Luluzinha, Bolinha, a Vaca Voadora, Recruta Zero, e muitos outros que ficaram relegados ao ostracismo.Enveredando pelo quadrinho nacional, temos a destacar o Maurício de Souza, maravilhoso. Quem não cresceu lendo Cebolinha, Mônica, Cascão? Mas nós tínhamos também o Ely Barbosa, o Daniel Azulay. Fora do nicho infantil, como, por exemplo, o Henfil, que tinha o personagem Zéfiro. Será que a gente ainda consegue resgatar esses personagens e fazê-los interessantes para a nova geração que lê histórias em quadrinhos? Dario: Eu acho que no Brasil, não. Esses personagens que você citou, a maioria eram muito populares até a virada dos anos 70 para os anos 80. E, com a diversificação de outras mídias, dos videogames também, esses personagens foram sendo esquecidos. Eu acho que, de forma geral, o material impresso está sendo, aos poucos, como posso dizer, caindo em desuso, vamos dizer assim. Acho que a tendência é, cada vez mais, os materiais impressos serem um nicho. E nessa de reduzir os materiais impressos, reduzir o interesse dos leitores, acaba tendo uma seleção natural que, inevitavelmente, acabou deixando muitos desses personagens esquecidos, infelizmente.

Adilson : Conta para a gente como o seu livro, A Arte Sequencial Brasileira, vai tocar nos pioneiros do meio e, é claro, nos artistas que até hoje estão produzindo essa arte maravilhosa, que são os quadrinhos. Dario: Em 1996, você comentou no início que eu editei a Heavy Metal. Antes disso, a Heavy Metal era uma revista americana traduzida aqui para o Brasil, e antes disso, participei de um álbum de autores brasileiros. Na época, era a Loja Comics que estava patrocinando. Eles queriam fazer um álbum para comemorar os 10 anos da loja. Eu conheci o proprietário da loja na época. Enquanto desenvolvia a ideia, esse proprietário da loja, que era o Carlos, conhecia o pessoal que publicava a Heavy Metal em português no Brasil e sugeriu tentar licenciar o nome. Precisamos de um álbum de autores brasileiros com o selo Heavy Metal. Então, ficou Brasilian Heavy Metal, Brazilian com “S” mesmo. Reunimos também dezenas de autores na época. Minha ideia agora é retomar esse conceito de reunir vários autores para fazer um álbum também. Na minha experiência como editor, tem muito isso, de reunir diversos autores. A Pau Brasil era uma coletânea. Mesmo a Graphic Talent, cada número era um autor diferente. No meu histórico de editor, tem isso, de juntar uma galera, um pessoal bom e mostrar mesmo a diversidade do quadrinho brasileiro. A proposta do álbum é justamente essa. Tem alguns autores mais antigos, outros mais novos, alguns até publicando pela primeira vez. A ideia é mostrar a diversidade do talento brasileiro para os quadrinhos.

Adilson: Apesar de ser um meio popular de leitura, ainda tem gente que tem alguma dificuldade com a linguagem ? A gente pode dizer que hoje há um respeito maior com as hqs. Quando eu era garotinho, 10, 11 anos, conforme fui ficando adolescente, muitos falavam que história em quadrinhos era coisa de criancinha. Hoje em dia, isso acabou, e os quadrinhos tornaram-se um meio tão forte e poderoso que uma adaptação de quadrinhos movimenta a indústria cinematográfica. Além disso, o que é hoje melhor e o que hoje é pior em termos de consumo da arte sequencial? Dario: Você falou que antigamente achavam que era coisa de criança. Você vê que os leitores que eram crianças ou jovens lá atrás, lendo super-heróis, cresceram, muitos continuam lendo super-heróis. Mesmo hoje, o super-herói já não é nem mais uma leitura de criança. Muitos adultos, na verdade, a maioria, eu entendo, pelo menos pela minha percepção, são os adultos que estão lendo, não são mais as crianças e os adolescentes, e estes já não estão tendo os quadrinhos como uma forma de entrada de leitura. Acho que isso, apesar de hoje não se formar novos leitores com quadrinhos, acho que vai acabar sendo positivo na questão de você poder explorar mais temáticas. Você não está fixado só em Turma da Mônica, em super-heróis, que são gêneros mais populares. Ao longo do tempo foi expandindo esse leque de estilos. Hoje você pode tratar de qualquer tema nas histórias em quadrinhos. Acho que é algo que hoje vejo como positivo. E o negativo é que justamente a gente tem muito menos leitores hoje do que antigamente, tanto é que você já não tem mais lançamentos, muitos lançamentos em bancas de jornais. A banca de jornal deixou de ser um ponto de entrada para o leitor. Então, a forma de se comprar hoje é principalmente internet.

Adilson: Como então abrir mais espaço para publicações novas ? Dario: Se você abre hoje o Catarse, que é a plataforma pela qual eu fiz a campanha do Arte Sequencial Brasileira, você vê lá tem dezenas de lançamentos toda semana. E alguns apoios, algumas campanhas de apoio não chegam a atingir a meta, ou os autores já têm baixas expectativas de meta porque sabem que não vai ter um número muito grande de apoios. Então, infelizmente, a gente tem por um lado… Se por um lado popularizou a entrada dos autores, ou seja, tem mais autores fazendo, acabou caindo o número de leitores. Então, esse é o ponto um pouco negativo, eu acho que é isso. É um número muito pequeno de leitores para a abundância que você tem de lançamentos.

Adilson: O mangá é uma concorrência para os quadrinhos ditos ocidentais ou não? Porque o mangá também é quadrinho, embora tenha uma característica diferente, ordem de leitura das páginas, né? A própria ideia de como o mangá conta a sua história é um começo e um fim bem definido em cada série, diferente da DC e da Marvel, que são as maiores americanas, que estão há mais de 60 anos publicando quadrinhos, dá reboot, volta do zero de novo, dá reboot, volta do zero de novo. Os mangas são uma competição para o consumo dos quadrinhos? Ou não? Dario: Eu não vejo como uma concorrência. Acho que ele é se pensarmos como ele concorre com outros tipos de quadrinhos, mas os outros tipos de quadrinhos também concorrem entre si, veja a Marvel e a DC. Então, eu não vejo como uma concorrência. Não sei te dizer o que é que o mangá tem de tão diferente ou de tão específico que tenha gerado essa popularização. Não sei te dizer, precisaria estudar mais a fundo, mas eu vejo como positivo.

Adilson: Espero que você, como especialista do ramo, possa esclarecer uma dúvida para todos os leitores. O primeiro quadrinho na história considerado é o Yellow Kid, do Richard Outcault, de 1895. É considerado o marco inicial do meio. No entanto, 25 anos antes do Yellow Kid, o Ângelo Agostini já tinha publicado As Aventuras do Nhô Quim, primeira HQ brasileira e, no meu entender, ela sim é a primeira HQ, porque são 25 anos antes do Yellow Kid e todo mundo quando fala em história das histórias em quadrinhos, dizem que Yellow Kid é o marco inicial. Yellow Kid não é, não. Por que o Yellow Kid ganha essa primazia de ser o número um? Quando, na verdade, o Ângelo Agostini, ítalo-brasileiro que fez As Aventuras do Nhô Quim, ele que deveria ter atribuído o fato de ser a primeira HQ da história ? Dario: Na Europa, mesmo antes das Aventuras de Inokim, já tinham histórias em quadrinhos também. Mas é que o Yellow Kid, na época em que ele foi eleito, vamos dizer assim, o primeiro personagem de quadrinhos, foi muito pela questão de ele ter introduzido os balões nas páginas de humor dos jornais. Porque você tinha já histórias em quadrinhos, só que era o desenho e a legenda embaixo. E o Yellow Kid foi o que primeiro trouxe os balões. Então, isso deu uma revolução na linguagem. E aí é a hora que o Conselho de Notáveis se reuniu para dizer vamos dar aqui um marco para o início dos quadrinhos. Então, pegaram essa característica, que já existia na época em que o Yellow Kid foi escolhido, e meio que cunharam, escolheram o Yellow Kid como o primeiro personagem. Mas hoje mesmo os estudiosos já consideram que antes já havia quadrinhos.

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