Adilson Carvalho

Imaginem um mexicano com uma habilidade camaleônica tamanha capaz de ser convincente como um árabe, um italiano ou um grego. Seu olhar e postura o torna um revolucionário, um papa ou um deus grego. Estou falando de Antonio Rudolfo Oaxaca Quinn, que se vivo estivesse acrescentaria a esse invejável currículo a marca admirável de 110 anos, uma longevidade não alcançada por meros mortais, mas alcançada e superada ao menos pelas estrelas de cinema. Nascido em 21 de Abril de 1915 em Chihauhua, México, filho de Manuela e Francisco Quinn que trabalhara como assistente de cameraman para um estúdio cinematográfico de Los Angeles naquele início de século. O avô chegou a fazer parte do exercito do revolucionário Pancho Villa. Antonio trazia no sangue o espírito de um guerreiro. Sua infância foi modesta e antes de ser ator, Antonio foi boxeador graças a um físico invejável que ele soube usar para atuar em papéis que o exigiam como de piratas ou gangsters, sempre como um coadjuvante talentoso capaz de roubar a cena. Lembro de Anthony Quinn, por exemplo, aos 25 anos, como o vilão de Cisne Negro (The Black Swan) antagonizando Tyrone Power em 1940. Uma movimentada aventura de pirata produzida em época em que o filão era explorado por Hollywood exaustivamente. Havia já ali uma pretensão, uma ambição que instigava o ator a buscar algo mais. Contratado pela Paramount, ficou um longo tempo colecionando papéis menores em filmes de outros astros, e sempre em papéis que exploravam mais seu biótipo do que suas habilidades interpretativas. Decepcionado, ele trocou Hollywood pelos palcos da Broadway onde teve elogiado desempenho como Stanley Kowalski na adaptação de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennesse Williams, e ainda estudou arquitetura por um período. Nessa fase de sua vida, Anthony estava casado com a filha do mítico diretor Cecil B.De Mille, com quem aliás não nutria um relacionamento muito amistoso. Demorou, mas logo Anthony Quinn foi redescoberto por Hollywood e em 1947 já havia se naturalizado americano. Contudo, quando a peça de Williams foi adaptada para o cinema por Elia Kazan, o papel de Kowalski foi para Marlon Brando. Kazan, no entanto, reconhecia que havia um talento que não deveria ser desencorajado ali, e escalou Anthony Quinn para um outro papel de destaque, curiosamente, o de irmão de Marlon Brando em Viva Zapata (1952), cinebiografia do revolucionário mexicano Emiliano Zapata.

Esse foi o momento da virada para o ator que conquistou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel que veio a impulsionar sua carreira, e tornando-o o primeiro ator de origem mexicana a ganhar a cobiçada estatueta de ouro da Academia. Repetiu o feito cinco anos depois quando interpretou o pintor francês Gauguin no excelente Sede de Viver (Lust for Life), dirigido por Vincent Minelli, que conta a história de vida do pintor Vincent Van Gogh (Kirk Douglas). Aparecendo por pouco tempo em cena, Anthony Quinn conseguiu brilhar mesmo contracenando com um visceral Kirk Douglas, em atuação igualmente impactante. Voltou a contracenar com Kirk Douglas como seu antagonista em filme apropriadamente batizado Duelo de Titãs (Last Train for Gun Hill) de 1959, faroeste em que Anthony Quinn interpreta um barão do gado que se recusa a entregar seu filho, que cometera um crime, ao homem da lei (Douglas) que já foi um dia seu melhor amigo. Ao longo da década de 50 diversos convites surgiam e o versátil ator foi morar na Itália onde, na época, várias produções internacionais eram rodadas pois os incentivos fiscais barateavam os custos de produção. Nessa época teve a oportunidade de trabalhar com Federico Fellini em Estrada da Vida (La Strada) de 1954. Sua figura já havia alcançado prestígio mundial quando apareceu ao lado de nomes de peso como Peter O’Toole e Omar Shariff em Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia), de David Lean, e esteve junto de Gregory Peck e, David Niven em Os Canhões de Navarore (The Guns of Navarone). Entre esses, me encantei com sua performance em As Sandálias do Pescador (The Shoes of The Fisherman), adaptação da obra de Morris West sobre um papa de origem ucraniana eleito em meio a uma crise mundial. Anthony Quinn transmite equilíbrio e uma humanidade tão acima dos padrões normais que, mesmo se tratando de uma história de forte contextualização política, suas ações parecem compor uma fábula moderna. A sabedoria e humildade espelhada nas telas fazem um curioso contraponto com os traços rudes de seu rosto. Este é o meu filme favorito dentre os estrelados por Anthony Quinn, devo dizer.

Em todos esses filmes, mesmo que em meio a um elenco estelar, Anthony Quinn sempre conseguia se fazer notar, se destacando com notável desembaraço. Ele conseguia transmitir credibilidade não importando em que papel alcançou impressionante resultado protagonizando Barrabás (1961) e Zorba o Grego (Zorba the Greek) (1964). No primeiro, uma superprodução realizada no auge dos épicos Hollywoodianos. viveu o atormentado ladrão que foi perdoado e salvo da crucificação no lugar de Jesus Cristo. Do sofrimento pungente de seu personagem no filme de Richard Fleischer, saltamos para uma catarse contagiante como o grego Zorba no filme dirigido por onde Anthony Quinn ganha a tela com uma atuação maior que a própria vida, dando uma lição de simplicidade e generosidade para um milionário incapaz de perceber o valor da vida. Novamente, a rudeza de seus traços servem de tempero para uma atuação inspirada, capaz de lavar a alma e contagiar o espectador.

Na década de 60, Anthony Quinn, em uma entrevista à revista LIFE, dizia que o tempo todo procurava fugir da estereotipação dos papeis que lhe eram oferecidos. Ainda assim aparecia em papéis assim como um milionário grego inspirado na figura de Aristoteles Onassis em O Magnata Grego (The Greek Tycoon) de 1978, o profeta mulçumano em Maomé – o Mensageiro de Deus (Mohammed – Messenger of God) de 1977. A chegada da idade lhe dificultou o acesso aos bons papeis, mas o ator encontrou na TV novas possibilidades. Na década de 90, veio o papel de Zeus, o senhor do Olimpo em uma série de telefimes estrelados por Kevin Sorbo como o semi deus Hercules. Personagens marcantes fizeram sua carreira memorável e este ano celebramos tal multiplicidade com a certeza única de que poucos atores conseguiram marcar sua estirpe tendo contra si tantos estereótipos imputados a si, e a a favor toda essa energia que fez de Anthony Quinn um ídolo como poucos.