Por Paulo Telles

E Vamos para mais um registro em Isto é Fato… Não Fita!
Depois de 20 anos em temporadas pelos cinemas de todo Brasil (muitas destas salas já extintas), e principalmente em exibições nas épocas de Semana Santa ou Natal, Ben Hur, versão de 1959 detentora de 11 prêmios da Academia dirigida pelo mestre William Wyler (1902-1981) estreou finalmente na televisão brasileira em início de setembro de 1984 pela Rede Globo, sendo o épico estrelado pelo inolvidável Charlton Heston (1923-2008), com quase 4 horas de projeção, exibido em duas partes em horário nobre.
Lembro da estreia pela TV como se fosse ontem, e até mesmo o Jornal Nacional, com a apresentação de Cid Moreira, fez uma divulgação especial sobre o espetáculo a ser apresentado depois da novela das 20 horas, abrindo o Festival Primavera. Este cronista que aqui vos redige assistiu pela primeira vez a esta grande obra prima da quintessência cinematográfica junto a Neuza Telles Pereira, minha saudosa mãe, originando a partir daí meu apreço pelo cinema clássico. Só lamentei (como ainda lamento!) em não ter visto este grandioso épico ou mesmo conhecido no telão de um cinema, fosse em algum salão do Cine Metro Passeio, Tijuca ou Copacabana, referência de grandes salas de projeção e de entretenimento dos cariocas naqueles tempos idos. Quem assistiu Ben Hur de 1959 no cinema com sua tela original de 65mm (Panavision) pôde certamente se considerar um privilegiado.

Poucos dias depois da estreia do filme de Wyler na TV Globo, o saudoso jornalista, crítico, escritor, político e notável humanista Artur da Távola (1936-2008), em um de seus artigos dominicais em sua coluna no Jornal O Globo, pelo suplemento Revista da TV, a 9 de setembro de 1984, dedicou umas linhas para falar de Ben Hur. Abaixo, será reproduzida a pequena matéria que o grande crítico escreveu sobre a obra de William Wyler não esquecendo, porém, de fazer menção sobre outros clássicos da Sétima Arte então exibidos na telinha na década de 1980.

Ben Hur Não Envelheceu
De Artur da Távola
(Originalmente de sua coluna da Revista da TV, Jornal O Globo, 9/9/1984, domingo).
Uma das oportunidades trazidas pela televisão é a de funcionar como cinemateca. Permite ver velhos filmes com outros (novos) olhos. O caso de “Ben-Hur” é bastante expressivo. Revi-o esta semana. Cresceu em meu conceito. O mesmo ocorrera este ano com filmes como “Dr.Jivago” e “Guerra e Paz”. Revê-los levou-me a considera-los melhores que a época do lançamento.
Por causa do gênero sempre semelhante e das concessões ao grandioso que Hollywood precisava fazer devido à sua vinculação ao gosto médio do mercado mundial, a gente se acostumou a ver os filmes épicos ou bíblicos todos da mesma maneira. E não são. “Ben-Hur” possui sequencias lindíssimas e intensas, não tivesse a dirigi-lo o Mestre William Wyler.
Vendo esses filmes hoje sem a preocupação artística ou puramente artística da época de sua exibição, mas apreciando-os pelo exercício mitológico neles contido, devo confessar a alegria por realizar uma leitura completamente nova, surpreendente até para mim.
Artur da Távola
A geração do Streaming, Netflix e GloboPlay não faz ideia como era ver filmes em um televisor há cerca de 40 ou 50 anos (em aparelho de tubo ou a válvula, conectado a uma antena externa ou interna dentro da casa, e digo, sequer não tínhamos ainda as tais parabólicas, que só vieram em 1988. Não se pensava em TV de Led, Plasma ou Smart e muito menos internet!). Vale lembrar que a circulação de filmes cinematográficos pela TV aberta brasileira iniciou na década de 1960, coisa que se prolongaria ao longo das próximas duas décadas seguintes, com cada emissora criando suas sessões de cinema pela televisão. Antes que pudesse surgir a TV à cabo, a TV por assinatura, e as mídias VHS, DVD e Blu-Ray, a telinha com acesso para todos os brasileiros estava levando ao ar velhos filmes da antiga Hollywood. Por este detalhe, que o nosso bom mestre Da Távola fez esta citação no texto aqui reproduzido – “Ver velhos filmes com novos, outros olhos“ – pois em verdade, a nossa antiga TV, ainda de qualidade analógica, prestava de acordo com o saudoso colunista um serviço de videoteca, acervo que outro grande crítico de cinema e também já falecido, Paulo Perdigão, trouxe para a Rede Globo como programador de filmes desta emissora. Era outro tempo e outros ventos!
Um fato em nossos registros merecedor de boas lembranças, afinal, Artur Da Távola faz parte de nossa memória cultural.
Isto é Fato…Não Fita!
Paulo Telles é crítico de cinema, escritor e radialista (DRT 21959-RJ) além de colunista e redator do blog Cine Retro Boavista.
https://cineretroboavista.blogspot.com/
“Isto é Fato… Não Fita! “ Era um quadro do extinto programa Cine Vintage, pela Web Rádio Vintage.