Leandro “Leo” Banner

Quando STAN LEE e JACK KIRBY (acompanhado do lendário JOE SINNOTT) presentearam o público com a primeira história do PODEROSO THOR, em JOURNEY INTO MYSTERY #83 de agosto de 1962, estavam na crista da onda de sua inigualável maré criativa e determinados a continuar sua jornada na criação de novos personagens e grupos que pudessem estabelecer de forma inconteste a então recém surgida “Nova Era Marvel dos quadrinhos” como um relevante marco editorial. A história, todos sabem, começa na Noruega, onde o médico deficiente físico DONALD BLAKE está passando suas férias. Ao se deparar com a iminente invasão de alienígenas hostis no país, Blake tenta escapar da perseguição dos aliens e se depara com uma caverna em cujo interior se encontra um cajado. Ao golpear uma rocha com o cajado num acesso de fúria, Blake se transforma no PODEROSO THOR e o cajado se torna o lendário martelo que só pode ser empunhado por alguém verdadeiramente digno. Com seus poderes e habilidades recém adquiridas, Blake, agora transformado no poderoso DEUS DO TROVÃO, debela a invasão alienígena e decide retornar aos Estados Unidos com o maior poder que um mortal já conheceu.

Nas primeiras aventuras, Stan Lee elaborava os argumentos para que seu irmão LARRY LIEBER se encarregasse dos roteiros, enquanto Kirby seguia nos desenhos acompanhado dos grandes arte-finalistas da época, como DICK AYERS e Joe Sinnott; e ainda que a partir de JOURNEY INTO MYSTERY #85 LOKI (deus da trapaça e meio-irmão de Thor nos quadrinhos) e outros elementos de mitologia nórdica tenham começado a ser gradativamente inseridos, como ODIN e ASGARD, Thor naquele momento parecia ser apenas o alter ego do doutor DONALD BLAKE, que se transformava numa figura divinal e combatia os malfeitores da vez (incluindo tiranetes de nações comunistas), como era típico nos quadrinhos da época, fazendo com que o personagem acabasse no lugar comum dos demais heróis num primeiro momento. Curiosamente, anos antes de promover a revolução Marvel nos quadrinhos ao lado de Stan Lee, Jack Kirby já havia demonstrado grande paixão e interesse pela mitologia nórdica numa pequena história da edição #16 do título de antologias da DC COMICS chamado “TALES OF THE UNEXPECTED”, de 1957, onde escreveu e ilustrou o conto chamado “The Magic Hammer” (“O Martelo Mágico” em tradução livre), onde temos uma história com o deus nórdico Thor, seu martelo encantado e algumas outras ideias que seriam usadas mais tarde na concepção do Thor da Marvel. Esta curiosa historieta foi publicada no Brasil uma única vez, na DC COMICS – COLEÇÃO DE GRAPHIC NOVELS #82, da Editora Eaglemoss, em 2019.

E de acordo com o próprio Lee – que alegadamente também partilhava com Kirby esse grande interesse pela mitologia nórdica – ele e Jack reassumiram totalmente o controle criativo do Deus do Trovão porque desejavam dar ao herói de que tanto gostavam a atenção q ele merecia; e isso ocorreu a partir de JOURNEY INTO MYSTERY #97, edição que marcou também o começo da chamada CONTOS DE ASGARD, série complementar com histórias de cinco páginas cada, além da trama principal (que passou a ter entre 15 e 16 páginas), que durou até 1967, e se constituiu de um arco narrativo que aprofundava a história de Thor, abordava passagens de sua infância, alcance de seus poderes, sua linhagem, assim como do surgimento do Universo, de Asgard e demais Reinos de acordo com a mitologia nórdica, magistralmente produzidas por STAN LEE e JACK KIRBY. Essas histórias, verdadeiramente deliciosas de se ler, ainda que já tenham sido publicadas no Brasil por várias editoras de forma bastante esparsa, foram remasterizadas, recolorizadas e compiladas pela primeira vez em terras tupiniquins numa edição encadernada na série MARVEL GRAPHIC NOVELS II – THOR: CONTOS DE ASGARD, da Editora Salvat, de 2015. Uma iniciativa mais do que louvável que ofereceu ao leitor uma excelente oportunidade de se deleitar com essas verdadeiras pérolas que podem constar, facilmente, como uns dos pontos mais altos da parceria Lee/Kirby para a Marvel.
Nas histórias principais, à medida que os fatos sobre a divindade do Poderoso Thor iam sendo descortinados, os acontecimentos foram se sucedendo na vida do Deus do Trovão, como o romance impossível com a enfermeira do consultório de Don Blake, Jane Foster, surgimento de novos inimigos como o Homem Radioativo, os Homens Lava, Mister Hyde (versão Marvel, claro), Homem Absorvente, sem mencionar os incontáveis planos ardilosos de LOKI, o deus da trapaça, objetivando destruir seu meio-irmão para conquistar Asgard a qualquer preço. Dessa forma, as histórias iam ficando melhores, mais empolgantes e interessantes, de tal forma que o título passou a se chamar JOURNEY INTO MYSTERY WITH THE MIGHTY THOR, e uma das melhores sequências teve início com a apresentação da versão Marvel de HÉRCULES, que se deu em JOURNEY INTO MYSTERY ANNUAL #1, publicada aqui no Brasil na COLEÇÃO CLÁSSICA MARVEL #42, THOR SÉRIE CRONOLÓGICA #7, em 2022, onde o Deus do Trovão e o Príncipe do Poder se encontraram pela primeira vez. Depois de um início turbulento – claro! – os dois guerreiros imortais se unem contra uma ameaça comum e acabam adquirindo um mútuo respeito. Nesta história também aparecem Zeus e outras divindades olimpianas que tornariam a aparecer em edições futuras.

Na Terra, depois de constatar o sofrimento que seus constantes desaparecimentos causavam a Jane Foster, Don Blake decide revelar à amada seu grande segredo, o que desencadeia a fúria de seu pai Odin. Enquanto isso, no Olimpo, a fim de encerrar as contendas sem sentido de seu filho, Zeus decide mandar Hércules descer o Monte em direção à Terra. Em outro lugar, Thor enfrentava um tirano que possuía um artefato asgardiano que lhe conferia habilidades fora do normal para desgosto de Jane Foster, que recebe alta médica da clínica em que se encontrara. Ao chegar à Terra, Hércules ajuda um grupo de viajantes ao retirar uma árvore de grande porte caída nos trilhos e decide acompanhar o grupo até à cidade, onde chama atenção de um agente de cinema. A presença de Hércules na cidade causa um tumulto que chama atenção de Jane, que pensa ser Thor , mas ao se aproximar da turba, percebe tratar-se de outra pessoa. Hércules imediatamente se encanta por Jane e começa a cortejá-la; pouco tempo depois, Thor reaparece e Jane o despreza por estar sentida por conta das atitudes do amado. Ao perceber a insistência de Thor, Hércules intervém e a luta se torna iminente. Esses acontecimentos foram retratados nas derradeiras edições de JOURNEY INTO MYSTERY #124-125, que deu lugar ao título THE MIGHTY THOR, que aproveitando a numeração de J. I. M., inicia-se na edição #126, com um começo pra lá de explosivo já retratando a devastadora luta entre o Poderoso Thor e Hércules, o Príncipe do Poder. A luta prossegue intensa e acirrada, em pé de igualdade entre os dois combatentes, até que Odin, ainda furioso por Thor ter revelado sua identidade mortal para Jane Foster, decide punir o filho retirando-lhe metade dos poderes e, por conseguinte, enfraquecendo-o a ponto de ser derrotado por Hércules. Arrasado pela aparente derrota, Thor decide se isolar para refletir, enquanto Hércules é convidado por um agente de cinema a interpretar a si mesmo numa produção cinematográfica, sem saber naquele momento que tudo se tratava de um ardil de Plutão, senhor do submundo dos olimpianos, que tencionava se libertar desse fardo. Para atingir seu objetivo, Plutão engana Hércules e o faz assinar um contrato olimpiano em que o Príncipe do Poder concorda em ser o líder do submundo. Buscando a intervenção de Zeus para ajudá-lo, Hércules tem apenas a constatação do Rei do Olimpo sobre a legitimidade do contrato e é impedido de usar a própria força para lutar pela sua liberdade, necessitando encontrar alguém suficientemente abnegado que lute por ele. A trama se desenrola de forma épica até seu ápice na edição de THE MIGHTY THOR #130, se revelando como uma das melhores sequências do título do Deus do Trovão de todos os tempos, trazendo JACK KIRBY num de seus momentos mais inspirados e deslumbrantes, acompanhado do arte-finalista VINCE COLLETTA, um dos melhores e mais injustiçados parceiros do Rei dos Quadrinhos de todos os tempos (talvez um dia ainda falemos sobre isso 😉).
Essa fantástica sequência de histórias do Deus do Trovão haviam aparecido no Brasil pela última vez, de forma INTEGRAL, na revista O PODEROSO THOR #1-2, da Editora Bloch, em 1975, e felizmente foram reapresentadas nesses mesmos moldes na COLEÇÃO CLÁSSICA MARVEL #47 – THOR SÉRIE CRONOLÓGICA #8 da Panini Comics Brasil. Um verdadeiro tesouro das HQs que merece ser conhecido pelas novas gerações de leitores e reapreciado pelos veteranos verdadeiramente apaixonados pela Nona Arte.
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻