Hoje dia em que Machado de Assis completaria 186 anos vamos relembrar sua obra prima transposta para as telas.
por Sérgio Cortêz

Escrito por Machado de Assis em forma de folhetim de março a dezembro de 1880 e publicado pela Revista Brasileira, o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas só ganharia o formato de livro no ano seguinte, através da antiga Typographia Nacional (atual Imprensa Nacional). O romance marca o início do Realismo no Brasil (estilo que só seria suplantado no final do século XIX pelo requintado Parnasianismo), apresentando um Rio de Janeiro embebido em pessimismo e indiferença, onde a escravidão, as classes sociais e o positivismo possuem uma influência marcante na sociedade. Leitores, críticos e escritores destacam que uma das grandes qualidades de Memórias Póstumas de Brás Cubas é o fato de o romance preceder uma série de elementos de vanguarda que só seriam assimilados e ampliados no século XX. Trata-se, portanto, de um trabalho revolucionário e inovador, que até hoje é alvo de estudos e interpretações, além de traduções para os mais diferentes idiomas.
* O Protagonista, Um Bon-Vivant
A autoria da história é atribuída a Brás Cubas, o falecido protagonista que almeja escrever sua autobiografia. Nascido numa típica família abastada do século XIX, ele dá início à obra com a funesta dedicatória: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Não obstante, Brás Cubas fala sobre seu funeral e explica sua causa mortis: uma pneumonia contraída enquanto desenvolvia o “Emplastro Brás Cubas“, fantasia farmacêutica superestimada por seu criador e com a qual esperava garantir um lugar de destaque na posteridade. A partir desse ponto inicia-se o desenrolar da história, ao passo em que Machado de Assis reúne, capítulo a capítulo, os elementos que fazem de “Memórias Póstumas” uma obra única.
* Personagens Marcantes

Além de Brás Cubas, outras personagens têm grande importância ao longo da história e que bem poderiam ter existido na vida real, com qualidades e defeitos inerentes a qualquer ser humano, independente da época:
- O desafortunado Prudêncio, menino filho de escravos, que servia de brinquedo na infância de Brás Cubas;
- A sedutora e vivaz Marcela, “amiga de rapazes e de dinheiro”, meretriz que se tornou, na adolescência de Brás Cubas, “Um amor que durou quinze meses e onze contos de réis“;
- A fogosa Virgília, mulher do deputado Lobo Neves, com quem Brás Cubas se envolve quando ambos eram solteiros: tempos depois iniciam um relacionamento adúltero, que fazia “trepidar” a velha casa na Gamboa;
- Quincas Borba, o filósofo levemente biruta que apresenta a Brás Cubas um novo pensamento filosófico, o Humanitismo – e que também rouba o relógio do amigo de infância, devolvendo-o a posteriori, após superar a mendicância e tornar-se um homem próspero graças a uma generosa herança;
- Nhá-Loló, moça de 19 anos com quem Brás Cubas engata um curto noivado, pois a pretendida morre de febre amarela – levando o noivo a tornar-se um solteirão convicto a partir de então;
- Após alguns anos de boêmia e devassidão em Coimbra, Brás Cubas retorna ao Rio de Janeiro onde corteja Eusébia, a “Flor da Moita” – mas não leva o romance adiante porque a jovem, embora fosse bela, era coxa. “Por que bonita se coxa?” indagava-se Brás Cuba

* O Epílogo
Ao longo da narrativa, a morte abraça outras personagens como Bento Cubas, pai de Brás Cubas, o deputado Lobo Neves, a prostituta Marcela, dona Plácida – a conveniente moradora da casa na Gamboa (ou, no linguajar mais popular, do “cafofo”) e Quincas Borba. Quanto a Brás Cubas, é a partir de sua própria morte que começa a contar (de trás para frente) a história de sua vida.
* A Publicação da Obra
Publicado pela primeira vez “aos pedaços” – como escreveu o próprio Machado de Assis (ou seja, em folhetim, pela Revista Brasileira, de março a dezembro de 1880) – foi editado em 1881 pela Typographia Nacional, que produziu cerca de quatro mil exemplares na época. A França foi o primeiro país estrangeiro a ter Memórias Póstumas de Brás Cubas nas livrarias, em 1911 (o lançamento fazia parte do contrato entre o autor e o editor Baptiste Louis Garnier, proprietário da Livraria Garnier). Mas a obra ganhou versões em italiano, espanhol, inglês, dinamarquês, servo-croatas, alemão, catalão e até esperanto. O livro teve o que costuma ser entendido como uma continuação, lançada em 1891: Quincas Borba, romance no qual Machado de Assis explora certas peculiaridades humanas que flutuam entre algumas virtudes e muitas falhas de caráter, demonstradas por diferentes personagens ao longo da história – incluindo Rubião, o afortunado e melancólico mineiro que a protagoniza.

* Nas Telonas
Memórias Póstumas de Brás Cubas foi a principal referência de um longa-metragem na década de 1960 e ganhou posteriormente duas versões para o cinema.
– As Referências “à francesa” de “Viagem ao Fim do Mundo” (1967):

Rodado ao estilo “cinema experimental”, o filme “Viagem ao Fim do Mundo”, dirigido por Fernando Cony Campos, apresenta algumas referências ao romance de Machado de Assis. Dessa forma, é um equívoco considerá-lo uma versão, já que seu roteiro possui vida própria ao apresentar as diferentes situações vividas pelos passageiros de um avião (o que nada tem a ver com a obra de Machado de Assis). Acrescentemos a isso os longos e enfadonhos discursos de natureza ideológica que fazem o filme assemelhar-se mais a uma película de Jean-Luc Godard que à obra-prima machadiana. Poderíamos comparar tal equívoco ao de um escultor que monta o que denomina “sua versão para Mona Lisa” usando argila, caca de pombo e peças de um Ford Escort: a obra de Da Vinci seguiria intocável no Museu do Louvre, enquanto o escultor na verdade a teria apenas como uma referência para sua sucataria. Assim é “Viagem Ao Fim do Mundo”.
– 1ª versão: “Brás Cubas” (1985)

Dirigido por Julio Bressane, “Brás Cubas” pode ser considerado de fato a primeira versão cinematográfica do livro, levando-o às telas com relativa fidelidade o texto original. Talvez porque na época fosse um ator ainda inexperiente, Luiz Fernando Guimarães fica devendo na interpretação do papel-título – algo que, no entanto, não desabona o filme como um todo.

2ª versão: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (2001)

Rodado na década de 1990 e lançado somente em 2001, o filme constitui a versão mais fiel à obra de Machado de Assis. Dirigido por André Klotzel, traz Reginaldo Faria como Brás Cubas após os 60 anos de idade, e Petrônio Gontijo interpretando Brás Cubas no auge de sua juventude. Destaque também para a reconstituição de época, um dos pontos mais fortes do filme.
* Revisitando Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e faleceu na mesma cidade a 29 de setembro de 1908. É considerado por muitos críticos o maior nome da literatura do Brasil, quiçá da própria Língua Portuguesa. Machado de Assis era filho de um descendente de negros alforriados e de uma portuguesa. Assumiu, ao longo dos anos, diversos cargos públicos e obteve grande notoriedade em jornais nos quais publicava suas poesias e crônicas. Foi também fundador e primeiro presidente unânime da Academia Brasileira de Letras. Sua extensa obra soma dez romances, mais de duzentos contos, dez peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos e quase setecentas crônicas, que lhe garantiram grande prestígio tanto no Brasil como em países vizinhos. Considerado introdutor do Realismo no Brasil, sua primeira fase literária é constituída de obras que flertam com o Romantismo, enquanto sua segunda fase relaciona-se com a ironia, a crítica social e o pessimismo, ainda que, paradoxalmente, alguns traços românticos permaneçam. Influenciou grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, o norte-americano Donald Barthelme e muitos outros.
Além de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, merecem igual destaque obras como “Ressurreição”, “A mão e a luva”, “Dom Casmurro”, “Memorial de Aires”, “Helena”, “Contos Fluminenses”, “Histórias da Meia-Noite”, “O Alienista” e, claro, “Quincas Borba”.
Para celebrar a memória de Machado de Assis, a coluna Prelo e Película apresenta aos visitantes o trecho final do último capítulo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, intitulado “Das Negativas”. Com a palavra, Machado de Assis – ou, se o leitor assim o preferir, Brás Cubas.
“Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais: não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
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Dicas da Coluna – Onde Encontrar:
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Se preferir, é possível adquirir um box com as principais obras de Machado de Assis:
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