CINE RETRO BOAVISTA | DO INFERNO PARA ETERNIDADE (1960) DE PHIL KARLSON

Por Paulo Telles

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Do Inferno Para Eternidade (1960) – Jeffrey Hunter Lutando contra os japoneses na Batalha de Saipan durante a II Grande Guerra.


POSTER ORIGINAL

Em 1960, o ator Jeffrey Hunter (1926-1969) estava com a carreira em declínio. Apesar de ter feito três trabalhos para o cineasta John Ford (Rastros de Ódio, em 1956, O Último Hurrah, em 1958 e Audazes e Malditos, em 1960), o ex-galã da 20th Century-Fox se despediu de Darryl Zanuck em 1958 para trabalhar em outros estúdios, bem como na televisão. Entretanto, Hunter poderia ficar sem trabalho no cinema se não fosse à insistência da esposa em exigir bons papéis para o marido, o que de fato, conseguiu por um período.  Mas tempos depois, este “zelo” prejudicou-o, quando que por determinação dela, deixou escapar uma das melhores oportunidades de sua vida: ser o capitão da nave estrelar Enterprise na série de TV Jornada nas Estrelas (1966-1969), vivendo o capitão Christopher Pike. Isto acabou resultando no divórcio de seu segundo casamento (o primeiro foi com a atriz Barbara Rush) e com isso, Jeffrey Hunter partiu para a Europa, onde estrelaria alguns westerns espaguete e outros filmes de baixo orçamento, até sua trágica morte a 27 de maio de 1969, com 43 anos.Entretanto, nem tudo estava perdido na vida do astro. Hunter foi escalado para interpretar um personagem contemporâneo, combatente mariner e um dos heróis americanos da Segunda Guerra Mundial, o fuzileiro naval Guy Gabaldon (1926-2006), no vigoroso filme bélico e biográfico Do Inferno Para a Eternidade (Hell to Eternity), em 1960. 

O menino Guy Gabaldon (vivido por Richard Eyer) – órfão americano adotado por um lar japonês. 
Guy Louis Gabaldon nasceu a 22 de março de 1926, em Los Angeles. Órfão e de origem humilde, ele foi criado por uma família nipo-americana, que o tratou com todo calor, amor e carinho (Gabaldon na infância é vivido por Richard Eyer, de Sublíme Tentação, de William Wyler, 1956, onde viveu o filho caçula de Gary Cooper). O menino Guy, antes arredio, foi criado pelos preceitos da tradicional família japonesa, onde aprendeu a falar, ler e escrever corretamente a língua nipônica. 

Jeffrey Hunter é Guy Gabaldon, Herói americano da II Guerra.
Gabaldon já adulto (Jeffrey Hunter) e seu irmão adotivo George (George Takey)
A Família de Guy Gabaldon
Entretanto, os problemas surgem quando eclode a Segunda Guerra e os Estados Unidos entram de frente no combate depois do fatídico ataque dos japoneses a Pearl Harbor, no Havaí, a 7 de dezembro de 1941. Num clima de tensão e patriotismo reinante, onde o orgulho americano foi seriamente ferido, o Tio Sam resolveu escalar jovens voluntários para lutar pela pátria e contra os japoneses, originando um clima de revolta, preconceito e xenofobia contra o povo nipônico.. Entretanto, apesar da vontade de Gabaldon em lutar para defender os Estados Unidos, um clima de peso de consciência invade seu espírito. Como ele poderia lutar contra o povo de gente que o acolheu e criou? 

Gabaldon ouve os conselhos de sua mãe adotiva (Tsuru Aoki) antes de se alistar.
David Janssen é o sargento Bill Hazen
Vendo seus pais e irmãos adotivos descriminados e olhados como páreas e inimigos dos EUA, o o jovem sofre um abalo psicológico. Mas seu talento como intérprete dos japoneses o faz ser convocado para o Pacífico, com intuito de ajudar no Serviço de Inteligência. Assim, seguindo os conselhos de sua mãe adotiva (Tsuru Aoki, 1892-1961), Gabaldon deve separar seus sentimentos e superar seus receios, pois o que irá enfrentar é pelo cumprimento do dever.

Sargento Bill Hazen (David Janssen) e Cabo Peter Lewis (Vic Damone) os melhores amigos de Guy Gabaldon
As vezes malandro, Gabaldon resolve chantagear um contrabandista de bebida para fornecer uísque de graça.
Durante seu alistamento, ele trava amizade com dois colegas de seu regimento: o sargento Bill Hazen (David Janssen, 1930-1980) e o cabo Peter Lewis (Vic Damone, 1928-2018). O primeiro, militar durão que inicialmente entra em conflito com Gabaldon, mas com o tempo os dois acabam descobrindo afinidades e se tornam amigos. O segundo, um abobalhado cantor e trompetista, que quer o fim da guerra para voltar as suas atividades de entretenimento.

Os três amigos bebendo, se divertindo, e aproveitando a última licença antes do embarque para Saipan.
Os três mariners conhecem três garotas, entre as quais, uma jornalista americana, Sheila Lincoln (Patricia Owens)
Motivada pela bebida, a até então fria Sheila se desinibe e resolve fazer um strip-tease .
Faltando poucos dias para o embarque onde enfrentarão os japoneses, Gabaldon, Hazen e Lewis querem aproveitar ao máximo as diversões e as noitadas, já que foram beneficiados com passes de licença. Eles chegam até a manipular um contrabandista de bebidas para obter uísque de graça. Logo eles se dirigem a um bar, onde conhecem três mulheres. Duas japonesas e uma norte-americana, a jornalista Sheila Lincoln (Patricia Owens, 1925-2000), que esta no Pacífico como correspondente de um jornal. As três solitárias aceitam as investidas dos três mariners, que as levam para a casa de uma delas. Um dos grandes momentos que reflete a solidão dos soldados prestes a enfrentar o inferno das grandes batalhas, onde terão direito a uma última noite de curtição e prazer.

Sheila se entrega a Guy.
Já em Saipan, Gabaldon em dramático confronto contra os japoneses.
A grande parte do filme corresponde justamente às cenas de batalhas, bem encenadas e dirigidas, onde o desembarque em Saipan é de um impressionante realismo, com os soldados americanos fazendo de tudo para tomar as colinas. Em dado momento, Gabaldon tem uma recaída, mas é recomposto por Hazen. Os três se distinguem nas lutas, mas Gabaldon perde seus dois amigos no front. Quando Hazen e Lewis morrem, Gabaldon fica transtornado, e o sentimento de dever toma lugar a um sentimento de vingança. Sozinho e sem autorização de seu superior, o capitão Schwabe (John Larch, 1914-2005), Guy invade os acampamentos dos japoneses, e como um verdadeiro caçador, vai matando os que encontra pelo caminho. Seu comandante o ameaça leva-lo a uma corte marcial, mas o mariner ignora as ordens do seu capitão para não atacar os japoneses até a segunda ordem.

Sargento Hazen é morto pelos japoneses.
O sentimento de dever se transforma em vingança, quando Gabaldon vai atrás dos japoneses que mataram seus dois melhores amigos, sem a permissão de seu superior, o Capitão Schwabe (John Larch)
Mas o espírito humanitário de Gabaldon também salva crianças japonesas.
O empenho de Guy em fazer da guerra sua luta solitária acaba rendendo a ele reconhecimento. Certa noite, ele invadiu uma caverna que servia de esconderijo dos japoneses. Liquida todos os soldados inimigos, motivado por instinto de defesa. Por fim, ele consegue acesso ao general Matsui (Sessue Hayakawa, 1889-1973), comandante inimigo que é rendido por Gabaldom. Conformado com sua derrota e não tendo mais alternativas,  Matsui aplica em si o haraquiri, o famoso método de suicídio, que segundo a cultura popular japonesa, é um ritual de honra onde o suicida rasga seu próprio ventre. Gabaldon fica horroriza com a cena. Com isso, Guy fez muitos prisioneiros, estimando cerca de 1.500 japoneses por ele capturados, tendo sua bravura reconhecida. 

Gabaldon se esconde dentro de um buraco fétido usado pelos japoneses, para dar bote neles.
Ao seu lado, o soldado Leonard (Bill Williams), que logo será morto.
Enfim, Gabaldon consegue capturar o General Matsui (Sessue Hayakawa), comandante do exército japonês. 
Do alto de uma montanha, Gabaldon juntamente com o General Matsui acompanha a rendição dos japoneses. 
Uma cinebiografia correta sobre um verdadeiro herói de guerra. O que se sabe é que tempos depois, com duas condecorações do governo americano (a Cruz da Marinha e A Estrela de Prata), Gabaldon foi dispensado honrosamente pelo Corpo de Fuzileiros Navais, como resultado de ferimentos sofridos durante o combate. Embora um ícone de bravura, o contrastante reconhecimento dos EUA não lhe proporcionou a Medalha de Honra do Congresso, devido as suas origens mexicanas, ainda mais sendo criado por uma família japonesa. Guy Gabaldon morreu em 31 de agosto de 2006, aos 80 anos. 

Hora de dar assistência aos feridos.
Mesmo durante o front, Gabaldon tem tempo de ler notícias sobre sua família. 
Nos créditos de abertura, apresenta a seguinte homenagem: Esta é a história de um combatente imortal da Segunda Guerra Mundial. Muitos sequer sabem que Guy Gabaldon ainda vive, e muitos estão vivos no momento por causa dele. Embora seus atos se iniciem na Marinha dos Estados Unidos, ele entrou em foco nítido em saga nas colinas ensanguentadas de Saipan, onde sua história começa no subúrbio ao Oeste de Los Angeles durante a grande depressão dos anos trinta.

Jeffrey Hunter, Vic Damone, David Janssen, e sentado e de blusa escura, o verdadeiro Guy Gabaldon, que foi consultor técnico durante as filmagens.
DO INFERNO PARA A ETERNIDADE (1960): A História verídica
de um herói americano da Segunda Grande Guerra.
Durante as filmagens, foi questionado pelos executivos o contraste físico entre Jeffrey Hunter com o biografado. Hunter era descendente de franceses e ingleses, um homem alto (1m83cm). Gabaldon mal tinha 1m70cm e era filho de mexicanos. Outra polêmica fica por conta das suas idades. Ambos nasceram em 1926, sendo que Gabaldon era apenas 9 meses mais velho que o ator. No momento de conclusão do filme (as filmagens terminaram em abril de 1960), Jeffrey tinha 33 anos de idade e nada se parecia com um adolescente, já que a vida militar de Gabaldon se iniciou aos 17 anos. O mesmo ocorre com os atores David Janssen e Vic Damone, que vivem os amigos de Guy, que segundo relatos, eram bem mais velhos que o biografado. Assim como Gabaldon, Hunter também serviu no Corpo de Fuzileiros durante a Segunda Guerra. 

Levada as salas de cinema do Rio de Janeiro, como o saudoso BRUNI FLAMENGO, em novembro de 1961.

Divulgação do filme em um jornal.
Phil Karlson (1908-1985) dirige com maestria esta obra verídica, com boas sequencias e algumas cenas sugestivas (como a festinha realizada pelos três amigos e o strip-tease de Patricia Owens). O roteiro de Ted Sherdeman (1909–1987) baseado em história de Gil Doud (1914-1957), que também ajudou no roteiro de Terrível como o Inferno com Audie Murphy, falha às vezes pela falta de síntese, mas de resto, é um espetáculo bélico de categoria e estilo (em 130 minutos de projeção), estrelado com competência por Hunter (que precisou estudar a língua japonesa em três meses para o papel), ganhando aqui grande destaque ao viver um biografado lembrado por sua coragem e feitos na Segunda Guerra Mundial. Várias centenas de veteranos do Exército Imperial Japonês participou da recriação da Batalha de Saipan, que foi filmado em Okinawa. A obra foi apresentada no Festival de Mar del Plata, Argentina, e lançada nas salas de cinema do Rio de Janeiro em novembro de 1961. O próprio Guy Gabaldon serviu como consultor técnico para as filmagens desta película. 


FICHA 
TÉCNICA
POSTER ORIGINAL

DO INFERNO PARA

ETERNIDADE 

(Hell to Eternity)

País – Estados Unidos

Ano de Produção: 1960

Direção: Phil Karlson

Roteiro: Ted Sherdeman, e Gil Doud (história) com base nos relatos do Capitão Guy Louis Gabaldon

Música: Leith Stevens

Fotografia: Burnett Guffey (Preto & Branco)

Tempo de Duração: 130 minutos

Distribuíção: Allied Artist. 

ELENCO 

Jeffrey Hunter – Guy Gabaldon

David Janssen – Sargento Bill Hazen

Vic Damone – Cabo Peter Lewis

Patricia Owens – Sheila Lincoln

Richard Eyer – Gabaldon quando menino

John Larch – Capitão Schwabe

Bill Williams – Leonard

Sessue Hayakawa – General Matsui

Reiko Sato – Famika

George Takey – George Une

Miko Taka –Ester

Tsuru Aoki – Mãe adotiva de Gabaldon

Nicky Blair – Martini.

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