Leandro “Leo” Banner
UMA DAS MELHORES HISTÓRIAS DO SUPERMAN… SEM O SUPERMAN????

O novo filme do primeiro e maior herói das HQs estreou nos cinemas com toda pompa e circunstância no último dia 10 de julho, com direção do competente JAMES GUNN, e, certamente, não há porque falar de outra coisa senão de fatos marcantes, curiosidades e as melhores histórias do SUPERMAN; mas se você que nos privilegia com sua inestimável presença neste espaço ficou um um tanto quanto perplexo ou curioso com o título deste texto… alcançamos nosso objetivo em fisgá-lo para nos acompanhar em mais essa leitura que certamente fugirá do óbvio. 😉 Sim, nós já falamos aqui de algumas histórias realmente icônicas do Homem de Aço como GRANDES ASTROS: SUPERMAN, SUPERMAN: AS QUATRO ESTAÇÕES (que, inclusive, serviram como material de base para a trama do novo filme), a reformulação do personagem por JOHN BYRNE na década de 1980, e até mesmo o díptico que, por assim dizer, encerra a saga do Superman da Era de Prata, entitulado O QUE ACONTECEU AO HOMEM DE AÇO?, escrita por ninguém menos que ALAN MOORE, um dos maiores autores de HQs de todos os tempos. No entanto há uma fase do SUPERMAN… ou quase isso… que hoje em dia é muito pouco lembrada e que se constituiu num dos momentos mais marcantes das HQs, e que, surpreendentemente , foram histórias originalmente publicadas pela IMAGE COMICS.
Ora, mas como é possível?

Vamos por partes… todos sabemos da revolução ocasionada pelo bombástico surgimento da editora IMAGE COMICS no começo da década de 1990, com sua linha de títulos trazendo uma nova leva de personagens que, num primeiro momento, não traziam nada de novo, exceto, talvez, revistas com uma qualidade e acabamento superiores, mas histórias com qualidade bastante duvidosa. Nessa leva, uma das várias “criações” (sim, com aspas mesmo) que surgiram foi o personagem chamado SUPREMO, de autoria do falastrão Rob Liefeld, que era, nada mais, nada menos, do que uma cópia, um plágio descarado do SUPERMAN. Sua primeira aparição foi numa história secundária de YOUNGBLOOD #3, de 1992, para, logo em seguida, ganhar título próprio – SUPREME #1, também de 1992. São histórias que nunca foram publicadas no Brasil até o genial ALAN MOORE (sim, ele mesmo) aterrisar de paraquedas no título.
Na esteira do que eventualmente vinha produzindo para a Image Comics no período, quando ALAN MOORE assumiu efetivamente o título SUPREMO, poucos imaginavam a transformação radical que estava prestes a acontecer. De um personagem genérico, muitas vezes considerado, como já dito, apenas uma cópia ridícula do Superman com músculos exagerados e roteiros previsíveis, SUPREMO se tornou, sob a pena de Moore, uma metalinguagem sofisticada sobre a própria história dos quadrinhos de super-herói. ALAN MOORE começou sua fase em SUPREME #41 (1996), praticamente ignorando o que veio antes, para reconstruir o personagem e seu universo. E o fez com reverência ao passado, especialmente à chamada Era de Prata dos quadrinhos, mas com o olhar crítico e inventivo que sempre o caracterizou. Esse início arrebatador, praticamente reiniciando a mitologia do personagem com a história SUPREME: THE STORY OF THE YEAR, garantiu ao roteirista britânico o Prêmio Eisner (o Oscar dos quadrinhos) de 1997 na categoria de “Melhor Escritor”. A estrutura narrativa proposta por Moore é dividida entre a “realidade” e as memórias de Supremo, que vêm à tona através da Suprememória, um dispositivo narrativo que permite ao personagem recordar e revisitar suas vidas (ou seriam “versões”?) passadas — cada uma representando uma fase editorial diferente, como se fossem reboots e reformulações ao estilo das que a DC e a Marvel fazem há décadas.

Um dos elementos centrais da obra é seu caráter metalinguístico. Moore não apenas presta homenagem aos quadrinhos clássicos (em especial ao trabalho de Mort Weisinger com o SUPERMAN nas décadas de 1950 e 1960), mas também comenta sobre os ciclos editoriais, a natureza mutável dos heróis e os efeitos que isso tem tanto sobre a ficção quanto sobre a cultura popular. Por meio de personagens como Radar, o Supercão (um espelho de Krypto), Diane Dane (equivalente a Lois Lane), Judy Jordan (versão de Lana Lang), o vilão Darius Dax (alusão a Lex Luthor) e a Suprema (vai, tenta adivinhar agora…😁😁), o mago barbudo reconstrói uma mitologia pessoal para SUPREMO que é tanto paródia quanto reinvenção. Cada edição traz referências e subtextos que dialogam diretamente com o leitor mais atento à história dos comics, e é um prazer à parte procurar por esses detalhes sutil e habilmente inseridos nas tramas pelo roteirista. Outro destaque é o uso de diferentes estilos de arte para representar os flashbacks da Suprememória. Nas histórias “atuais” ou contemporâneas, Moore trabalha com artistas cujo estilo é o característico da Image Comics da época, mas nos momentos de flashbacks, se utiliza de outros talentos que mimetizam o traço, a linguagem e a estética dos quadrinhos das décadas de 1940 a 1970, criando uma experiência visual riquíssima e bastante nostálgica. Esse recurso aprofunda a sensação de deslocamento no tempo e ressalta a multiplicidade do personagem. No Brasil, SUPREMO foi parcialmente publicado pela Editora Brainstore em três volumes em 2003, e de forma integral pela Devir em quatro volumes em 2007 e 2008. Em sua essência, SUPREMO de Alan Moore é uma exploração sobre identidade, mito e reinvenção. Ele questiona o que define um super-herói — se são seus poderes, suas origens ou a maneira como é reimaginado por diferentes gerações de leitores e autores. É também uma obra que reconhece o poder dos quadrinhos como mitologia moderna, em constante mutação, moldada pelos valores e ansiedades de sua época.

SUPREMO, nas mãos de Alan Moore, se mostra, ao fim e ao cabo, muito mais do que uma releitura do SUPERMAN. É um ensaio disfarçado de quadrinho sobre o próprio meio dos comics — suas virtudes, falhas, fórmulas e fascínios. É também uma obra profundamente pessoal, onde Moore parece dialogar não apenas com seus leitores, mas consigo mesmo e sua trajetória dentro da indústria. O resultado é um título que, embora injustamente subestimado em relação a WATCHMEN ou V de VINGANÇA, figura como uma das mais engenhosas criações de Moore — uma verdadeira e autêntica carta de amor (e ao mesmo tempo de ruptura) com os super-heróis que ajudaram a moldar a cultura pop contemporânea. Definitivamente um material que vale muito a pena, que merece ser conhecido e apreciado pela geração atual de leitores, ou até mesmo revisto pelos que tiveram a oportunidade de conhecer essa pérola quando de seu lançamento pela última vez no Brasil há quase 20 anos. Já passou – e muito – da hora de termos essa bela obra republicada em Terras Tupiniquins.
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻