HQ | QUARTETO FANTÁSTICO POR STAN LEE E JACK KIRBY

Leandro “Leo” Banner

A fase clássica do Quarteto Fantástico, escrita por STAN LEE e ilustrada por JACK KIRBY entre 1961 e 1970 (originalmente publicadas no título FANTASTIC FOUR #1 a #102), é amplamente reconhecida como a pedra fundamental do Universo Marvel moderno. Este período não apenas definiu a identidade do supergrupo como também revolucionou a linguagem dos quadrinhos de super-heróis ao incorporar elementos de ficção científica, drama familiar e comentários sociais em um universo coeso e expansivo. STAN LEE trouxe para os roteiros um tom emocional e humano, diferenciando o Quarteto de outros heróis da época. Reed Richards (Sr. Fantástico), Sue Storm (Mulher Invisível), Johnny Storm (Tocha Humana) e Ben Grimm (O Coisa) não eram apenas combatentes do crime; eram uma família disfuncional, cheia de conflitos internos, inseguranças e afetos reais. Essa abordagem introduziu drama psicológico e relacionamentos complexos aos quadrinhos, criando um elo de empatia com os leitores. A tensão entre Ben e Johnny, o amor contido entre Sue e Reed, a frustração existencial de Ben com sua forma monstruosa e a insegurança emocional de cada personagem tornaram o grupo mais humano e tridimensional. Era o super-heroísmo colocado a serviço da condição humana das formas mais inusitadas e surpreendentes para a época. Não obstante os elementos temáticos incomuns inseridos nas histórias do grupo, outro detalhe extremamente fundamental foi a presença de JACK KIRBY nos desenhos , acompanhado de uma série de outros talentosos arte-finalistas (do calibre de PAUL REINMAN, GEORGE KLEIN, SOL BRODSKY, DICK AYERS, GEORGE ROUSSOS, CHIC STONE, FRANK GIACOLA, VINCE COLLETTA e o lendário e sensacional JOE SINNOTT) o que elevou os quadrinhos a um novo patamar visual com painéis dinâmicos, máquinas cósmicas colossais, mundos alienígenas vívidos e designs futuristas que anteciparam tendências visuais por décadas. Kirby não só ilustrava as ideias de Lee — muitas vezes ele mesmo as criava, com significativa participação e ingerência nos roteiros —, especialmente no que diz respeito a conceitos como a Zona Negativa, Galactus, Surfista Prateado, e os Inumanos.

JACK KIRBY era um arquiteto visual do impossível. Seus impressionantes traços carregavam energia cinética, capturando o movimento e a escala de forma quase cinematográfica, conferindo uma impressionante qualidade narrativa às histórias que até os dias atuais é tida como padrão de referência para os artistas de quadrinhos. A arte não apenas ilustrava as histórias, criava mitos visuais. As histórias dessa fase construíram toda uma estrutura e cosmologia próprias, com alcance que ia do núcleo urbano de Nova York até os confins do cosmos — tudo coeso dentro de uma mesma lógica narrativa. Outro detalhe a se atentar é que o Quarteto Fantástico de Lee e Kirby lidava com temas universais como identidade e aceitação (Ben Grimm como O Coisa); responsabilidade científica (Reed Richards e os limites do avanço tecnológico e do conhecimento); família e pertencimento (a dinâmica dos quatro, que eram mais do que apenas um grupo de amigos, mas realmente uma família) e exploração e maravilhamento (um retorno ao espírito de ficção científica pulp, mas com profundidade emocional). Mesmo nos confrontos grandiosos, havia sempre um olhar humano e ético, uma preocupação com o custo pessoal das aventuras e das decisões. A fase Lee/Kirby no Quarteto Fantástico é, até hoje, considerada uma das mais influentes da história dos quadrinhos. Seu impacto vai além dos personagens e histórias; reside na maneira como os quadrinhos passaram a ser pensados como uma forma de arte narrativa madura. A parceria entre Lee e Kirby transformou um gibi sobre aventureiros espaciais em algo que beira o mitológico, mas sem jamais perder a alma cotidiana e emocional dos personagens. Dessa fantástica fase (com o perdão do trocadilho) podemos destacar momentos verdadeiramente emblemáticos e relevantes, a saber:

  1. A TRILOGIA DE GALACTUS, originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #48–50, de 1966, republicada no Brasil nos últimos anos em MARVEL GRAPHIC NOVELS IV – QUARTETO FANTÁSTICO, A VINDA DE GALACTUS, de 2016, da Editora Salvat, e, mais recentemente, reapresentada na COLEÇÃO CLASSICA MARVEL #49, QUARTETO FANTÁSTICO – SÉRIE CRONOLÓGICA #11, de 2023, da Panini Comics Brasil.

Esse arco lendário marca a estreia de GALACTUS, o devorador de mundos, e de seu arauto, o Surfista Prateado. A chegada dos dois à Terra representa uma ameaça cósmica sem precedentes, exigindo que o Quarteto Fantástico enfrente uma força que vai além da compreensão humana — algo mais próximo de uma entidade divina do que de um vilão tradicional. Visualmente, Kirby entrega uma ópera cósmica em escala colossal. Galactus não é apenas um inimigo — ele representa uma ideia abstrata encarnada: a inevitabilidade, o ciclo da vida e morte dos mundos. O Surfista Prateado, por sua vez, surge como um ser trágico, dividido entre sua missão e o despertar de sua consciência moral ao conhecer a humanidade, especialmente através do contato com Alicia Masters. Stan Lee insere aqui uma reflexão ética profunda: Galactus não é malvado, apenas existe segundo uma lógica própria. O dilema não é vencê-lo com força, mas convencer uma entidade incomensurável e cujos padrões de existência extrapolam (e muito) a limitada percepção terrestre, a respeitar e valorizar a vida humana. A resolução depende da sabedoria e da moral, não necessariamente da força bruta — uma ruptura com o padrão e os paradigmas das HQs da época. Esse arco marca o momento em que os quadrinhos efetivamente superaram os moldes pulp para tocar em temas filosóficos e metafísicos, antecipando debates sobre ecologia, responsabilidade cósmica e alteridade. É considerado por muitos o ponto alto criativo da Marvel nos anos 1960, e a complexidade envolvendo o Devorador de Mundos só seria novamente abordada com a devida profundidade na década de 1980, por John Byrne (mas isso é assunto para outro momento 😉).

  1. A CHEGADA DO PANTERA NEGRA, originalmente publicada nas edições FANTASTIC FOUR #52–53, também de 1966, republicada no Brasil nos últimos anos em MARVEL GRAPHIC NOVELS V, O DIA DO JUÍZO FINAL, de 2016, da Editora Salvat, e, mais recentemente, reapresentada na COLEÇÃO CLASSICA MARVEL #55, QUARTETO FANTÁSTICO – SÉRIE CRONOLÓGICA #12, de 2023, da Panini Comics Brasil.

Nessas edições, os leitores conhecem o Rei T’Challa, o Pantera Negra, e sua nação secreta e altamente avançada, Wakanda. Inicialmente apresentado como um oponente misterioso que testa as habilidades do Quarteto, T’Challa logo revela sua nobreza e inteligência. Kirby cria aqui um dos ambientes mais visualmente distintos da Marvel: Wakanda, um reino afrofuturista, rico em recursos tecnológicos (graças ao vibranium), mas profundamente enraizado em tradições culturais africanas. Lee, por sua vez, escreve T’Challa como um personagem digno, estratégico e complexo, rompendo com estereótipos racistas da mídia da época. A presença de Ulysses Klaw (que depois se tornaria o Garra Sônica), vilão que simboliza a exploração colonial, reforça o subtexto de resistência cultural e soberania política. T’Challa é apresentado não como um ajudante ou aliado do Quarteto, mas como um herói em seus próprios termos. A introdução do Pantera Negra não apenas diversificou o elenco de heróis da Marvel, mas também estabeleceu o potencial dos quadrinhos como espaço de crítica social e política. Hoje, é um marco da representatividade e do anticolonialismo nas HQs mainstream.

  1. A SAGA DOS INUMANOS, originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #44–47, de 1965–1966, republicada no Brasil nos últimos anos em MARVEL GRAPHIC NOVELS IV, A VINDA DE GALACTUS, de 2016, da Editora Salvat, e, mais recentemente, reapresentada na COLEÇÃO CLASSICA MARVEL #46 e 49, QUARTETO FANTÁSTICO – SÉRIE CRONOLÓGICA #10 e 11, de 2023, da Panini Comics Brasil, numa sequência de histórias na qual o Quarteto descobre uma sociedade secreta de super-humanos: os Inumanos, uma raça criada por manipulação genética dos alienígenas Kree. Entre eles estão Raio Negro, Medusa, Karnak, Gorgon e Cristalys — que logo se envolve com Johnny Storm.

Kirby e Lee constroem aqui uma mitologia paralela à humana, apresentando os Inumanos como uma espécie de “nobreza oculta” com sua própria hierarquia, código de conduta e conflitos internos. A ideia de que poderes sobre-humanos podem ser um fardo social (como o silêncio absoluto de Raio Negro ou o exílio de Medusa) reforça os dilemas morais que já vinham sendo explorados na série. Lee insere um subtexto de intolerância e medo do desconhecido: os Inumanos vivem isolados por medo da humanidade, mas também como vítimas de perseguição. A história se desdobra entre ação e tragédia — há conflitos, mas também um tom de melancolia e deslocamento. Esse arco antecipa temas que seriam centrais nos X-MEN, como discriminação, marginalização e o desejo de aceitação, consolidando o papel do Quarteto como descobridores de novas culturas e realidades — verdadeiros exploradores do desconhecido. Cada um desses arcos exemplifica a genialidade da fase de Lee & Kirby à frente do Quarteto Fantástico: ação super-heroica com peso emocional, invenção visual e profundidade temática. Os autores expandiram o escopo dos quadrinhos ao combinar mitologia, política, filosofia e ficção científica com uma arte arrojada e narrativa emocionalmente engajada. Essa fase não foi apenas o nascimento de uma equipe de heróis. Foi o renascimento da imaginação dos quadrinhos americanos — e sua evolução para uma arte narrativa respeitável e relevante. É o ápice de uma era em que o impossível era possível — e cada página prometia sempre “a maior aventura de todos os tempos”, parafraseando a frase inserta nas capas do título que, muito apropriadamente, dizia se tratar de “a maior revista em quadrinhos de todos os tempos”.

A quem interessar, essa relevante e magnífica fase vem sendo publicada pela Panini Comics na COLEÇÃO CLÁSSICA MARVEL, e, também numa nova série com acabamento e formato diferenciados – cujo lançamento coincide com a estreia do novo filme do grupo nos cinemas – chamada QUARTETO FANTÁSTICO: EDIÇÃO DEFINITIVA. 😉

Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻

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