Por Leandro “Leo” Banner

Depois de se destacar nos títulos do Punho de Ferro (Iron Fist), Marvel Team-Up, de um prévio ensaio de um ano desenhando o título do Quarteto Fantástico no final da década de 1970, e de, por fim, se consagrar como um artista de quadrinhos completo e realmente diferenciado em sua fundamental passagem no título Uncanny X-Men, JOHN BYRNE iniciou sua fase no QUARTETO FANTÁSTICO a partir da edição #232 de FANTASTIC FOUR (1981), permanecendo no título até, aproximadamente, a edição #294 (1986), sendo amplamente considerada um dos períodos mais criativos e coesos da história da equipe, rivalizando com a fase fundadora de Stan Lee e Jack Kirby. Byrne não apenas assumiu os roteiros, mas também os desenhos e a arte-final em boa parte dessa fase, o que garantiu unidade estilística e autoral rara nos quadrinhos de super-heróis. John Byrne via o Quarteto Fantástico como uma família de exploradores cósmicos, mais do que como simples super-heróis. Ele devolve à série esse espírito original de aventura científica e exploração interdimensional, que aos poucos havia sido suprimido por abordagens mais convencionais nos anos anteriores. Seu trabalho reintroduz a ideia do Quarteto como descobridores do desconhecido, reforçando seu papel fundamental no universo Marvel como pioneiros do impossível. Byrne deu especial atenção ao desenvolvimento psicológico e emocional dos personagens, respeitando suas bases, mas aprofundando-os de forma mais madura:
• Reed Richards (Sr. Fantástico) é retratado como um gênio científico contido e às vezes insensível, mas com um senso profundo de responsabilidade. Byrne explora sua rigidez emocional, especialmente em relação à esposa, Susan.
• Susan Storm Richards (originalmente Garota Invisível ) talvez seja a personagem que mais evolui sob sua condução. De donzela em perigo e coadjuvante emocional, elevada a protagonista com a devida e merecida relevância, Byrne muda seu codinome para Mulher Invisível (Invisible Woman), marcando seu amadurecimento e crescimento como personagem mais poderosa e autônoma da equipe.
• Johnny Storm (Tocha Humana) também é amadurecido sem perder o ar impulsivo. Byrne lida com seus dilemas emocionais, especialmente após seu envolvimento com Alicia Masters (que anos mais tarde se revelaria como uma guerreira skrull disfarçada, sob a gestão de Tom DeFalco e Paul Ryan no título, mas falaremos disso em outra oportunidade).
• Ben Grimm (Coisa) recebe destaque em histórias que exploram sua humanidade e vulnerabilidade, complementadas no título próprio do personagem (THE THING), na época criado e mantido também pelo canadense. Byrne aprofunda sua tragédia pessoal como monstro com alma sensível, e eventualmente o substitui temporariamente pela MULHER-HULK após a conclusão da saga GUERRAS SECRETAS, o que traz uma nova dinâmica à equipe.

Byrne resgata e reinterpreta personagens clássicos do Quarteto — como o Doutor Destino, Galactus, Surfista Prateado, Aniquilador e a Zona Negativa — sempre com um olhar inovador, porém reverente, introduzindo, também, novos elementos, como a figura de Franklin Richards sendo mais central, e novas ameaças cósmicas e tecnológicas. Há um esforço visível em equilibrar aventuras cósmicas grandiosas com dramas pessoais intensos, com maestria sem igual e uma qualidade na elaboração das tramas e roteiros que confere à série um tom mais sofisticado e emocionalmente ressonante. Dentre as histórias mais MARCANTES dessa fase podemos destacar:
⁃ “De Volta ao Princípio” (originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #232). A estreia de Byrne como autor completo já indica sua proposta: voltar às raízes do grupo como aventureiros científicos. A equipe enfrenta uma ameaça elemental ligada à energia vital da Terra, que traz o clássico vilão DIABLO numa tentativa de se vingar do grupo pelas derrotas que lhe foram impingidas no passado. A trama funciona como declaração de intenções e redefinição de tom.
⁃ “Perigo num pequeno povoado” (originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #236) Nesta história brilhante e emocional, os membros do Quarteto vivem uma vida normal em uma cidade aparentemente pacata e tradicional. Nunca houve, nessa realidade, exposição aos raios cósmicos, nem poderes. Aos poucos, descobrem que estão presos em uma simulação criada por um de seus mais temíveis e antigos adversários. Um conto sobre identidade, ilusão e o valor da família.
⁃ “Sobreviverá a Terra?” (originalmente publicadas em FANTASTIC FOUR #242–244) A sensacional sequência de histórias em que Galactus retorna à Terra e é derrotado pelo Quarteto Fantástico com a ajuda de outros heróis, e que traria graves consequências algum tempo depois para Reed Richards por conta de suas ações em relação ao Devorador de Mundos.
⁃ “A Saga na Zona Negativa” (originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #251–256) Uma saga interdimensional em que a equipe parte para a Zona Negativa, revelando novos conceitos visuais e científicos. Aqui Byrne brilha com criatividade gráfica e senso de maravilhamento à la Kirby, mas com uma estética mais limpa e moderna, promovendo uma revolução na linguagem numa das histórias na qual, para evidenciar o estranhamento dos ambientes da até então inexplorada Zona Negativa, produz ilustrações no formato wild-screen.
A conclusão desse arco acontece também em THE AVENGERS #233, onde vemos a repercussão dos eventos ocorridos na Zona Negativa sob a ótica dos Vingadores.
⁃ “Fragmentos” (originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #257). GALACTUS está morrendo e se encontra muito distante dos planetas que utiliza para se alimentar; para sobreviver, decide se alimentar de um planeta próximo, a Capital do Império Skrull. Salvo engano, pela primeira vez é demonstrado graficamente, em detalhes, como se dá o processo de consumo planetário pelo Devorador de Mundos.
⁃ “O Julgamento de Reed Richards” (histórias originalmente publicado em FANTASTIC FOUR #260-262) Um dos arcos mais ambiciosos da fase, no qual o líder do Quarteto Fantástico é julgado por uma coalizão de entidades cósmicas naquele que se constitui num dos momentos mais emblemáticos, marcantes e surpreendentes das HQs, colocando dilemas éticos e existenciais no centro da narrativa. Nessa fantástica história, no auge de seu talento como exímio roteirista, John Byrne aprimora e eleva o conceito da existência de Galactus originalmente concebido por Stan Lee e Jack Kirby na década de 1960. Byrne aborda dilemas filosóficos sobre predestinação, equilíbrio universal e justiça, além de apresentar uma visão complexa do Devorador de Mundos, afastando-o da imagem de vilão unidimensional. Quem (ainda) não leu, certamente não sabe o que está perdendo. 😬
⁃ Mulher-Hulk entra na equipe (história originalmente publicada em FANTASTIC FOUR #265) Uma das consequências diretas da conclusão de GUERRAS SECRETAS. Com o Coisa fora da formação, Jennifer Walters (Mulher-Hulk) assume o posto no quesito “força bruta” do grupo. A troca é inteligente: mantém o fator força, mas insere leveza e ironia. O arco permite explorar outras dinâmicas na equipe e mostra que o Quarteto é maior que sua formação clássica.
⁃ Revolução de Susan Storm Richards (mostrada gradativamente desde o início das edições produzidas por Byrne, com seu ápice no arco publicado originalmente em FANTASTIC FOUR #278-284).

Byrne constrói gradualmente a transformação da Mulher Invisível numa figura forte, emocionalmente madura e poderosa. Torturada e levada a confrontar seus maiores temores por conta de maquinações do Homem Psíquico, Susan se vê enredada num confronto com Malícia, demonstrando habilidades que a colocam como a integrante mais poderosa e temida da equipe. Como artista, Byrne segue a tradição dos traços dinâmicos e elegantes de Jack Kirby, mas com uma linha mais aprimorada, limpa e moderna, típica dos anos 1980. Seus layouts são claros, com forte senso de ritmo narrativo, e demonstram maestria em conduzir cenas de ação, drama e exposição científica. A arte reforça a ambição “científica” da série, com maquinários, portais e ambientes interdimensionais muito bem detalhados de forma impressionante; o leitor não apenas se depara com roteiros bem escritos e estruturados, mas, também, com uma arte esplendorosa, rica em qualidade e detalhes que são um inegável convite à contemplação e admiração. A fase de John Byrne é vista por muitos, não sem razão, como uma segunda Era de Ouro do Quarteto Fantástico, sintetizando passado e inovação, respeitando o cânone sem ser refém dele, e transformando a série em algo sofisticado, acessível e relevante. John Byrne pegou todos os conceitos estabelecidos por Stan Lee e Jack Kirby e os lapidou magnificamente, como poucas vezes visto nas HQs mainstream. Seu trabalho serviu de referência criativa e até mesmo inspiração para autores posteriores como Jonathan Hickman, Dan Slott e até mesmo Mark Waid, tanto nos quadrinhos quanto em adaptações para outras mídias.

Muitos leitores e críticos consideram essa fase a melhor depois da de Lee e Kirby — e, para alguns (e aqui se inclui este que vos fala), até SUPERIOR em termos de construção narrativa. Tal se justifica pois, em que pese a qualidade criativa e originalidade nos textos de Stan Lee, não é difícil perceber que, em mais de uma situação, determinadas soluções eram apresentadas de forma bastante simplória, um detalhe inerente à inata fanfarronice de Lee – e também , forçoso reconhecer, até mesmo por conta de sua colossal carga de trabalho à frente de um grande número de títulos atuando como roteirista e editor, ao passo que Byrne, a seu turno, realmente um roteirista de qualidade ímpar, em seu auge artístico e criativo, brindava os leitores da série do Quarteto com tramas e soluções verdadeiramente inteligentes, instigantes e elaboradas, num patamar muito mais elevado que o da maioria dos demais quadrinhos da época (não cabendo aqui nenhum desmerecimento com essa afirmação). Infelizmente, a saída de John Byrne do título do Quarteto não se deu nos melhores termos em função de desentendimentos com Jim Shooter, o então editor-chefe da Marvel. Com isso, seu último arco foi encerrado por Roger Stern, que assumiria o posto de roteirista do título por um breve período, acompanhado de Jerry Ordway nos desenhos e Al Gordon na arte-final.
A fase de John Byrne no Quarteto Fantástico é um marco de maturidade criativa nos quadrinhos mainstream. Se Lee e Kirby criaram o mito, Byrne humanizou, sofisticou a lenda, refinou os personagens, trouxe de volta a grandiosidade cósmica e promoveu uma abordagem autoral digna de nota, conferindo um ponto de equilíbrio entre a inventividade dos anos 1960 e a complexidade emocional que seria exigida dos quadrinhos a partir dos anos 1980. E ainda hoje, sua influência reverbera em roteiristas e leitores que veem no Quarteto não apenas super-heróis, mas exploradores da imaginação, da ciência e da alma humana. Diante disso tudo, é imprescindível mencionar que a fase de JOHN BYRNE à frente do Quarteto é essencial não só para fãs da equipe, mas para quem deseja compreender como os quadrinhos de super-heróis podem combinar aventura, emoção e inteligência com equilíbrio raro, em histórias verdadeiramente diferenciadas tanto em tramas inteligentes, roteiros bem estruturados e arte soberba. Essa magnífica fase foi integralmente republicada no Brasil pela Panini Comics em dois grandiosos volumes no formato OMNIBUS, em 2020 e 2021 que, infelizmente, no momento encontram-se esgotados. Resta torcer para que essas histórias ressurjam num futuro próximo e formato acessível para que as novas gerações de leitores venham a conhecê-las.
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻