CICLO DE FAROESTES  |  AS OBRAS  DE ANTHONY MANN

Por Paulo Telles. Cine Retro Boavista Especial.

O cineasta Anthony Mann (1906-1967) é considerado o fundador do “Western Psicológico”. O que seria isso? Para Mann, o cowboy precisava expressar algo que acreditasse e sofresse por isso, com similaridade a tragédia grega. Estava longe de qualquer romantismo idealizado por diretores como John Ford ou Howard Hawks, Um herói de Mann no gênero era, antes de tudo, um idealista que poderia lutar e sofrer por suas convicções. É através de Anthony Mann que o western passa mais para uma fase dramática e homérica do que se atentar a legenda romântica. Assim são os faroestes deste grande renomado diretor, e vamos aqui relembra-los cada um com seu respectivo estudo acurado.

O Caminho do Diabo – Devil’s Doorway (1950)

Robert Taylor, James Mitchell, Louis Calhern, Edgar Buchanan e Paula Raymond: O CAMINHO DO DIABO (1950)

Considerado um dos filmes que iniciou a fase de defesa dos índios no cinema americano. Aqui Anthony Mann, com sua sensibilidade inteligente, conduziu de maneira solene a trajetória de Lance Poole (Robert Taylor, 1911-1969), pele-vermelha da tribo Soshone, condecorado por bravura durante a Guerra Civil, retorna à terra natal no Wyoming, onde enfrenta o ódio e a discriminação. Instigados por um oportunista, Verne Coolan (Louis Calhern, 1895-1956), criadores de ovelhas pretendem desalojá-lo do seu rancho de criação de gado, travando-se uma luta feroz, ao fim da qual o índio, mortalmente ferido, se entrega às forças da cavalaria, convocadas para impor a ordem.

Robert Taylor como o pele vermelha Lance Poole em O CAMINHO DO DIABO (1950)

Como estudo acurado, nos fornece a denúncia de injustiça social e preconceito, evidente inclusive no relacionamento do protagonista com uma advogada, Orrie Masters (Paula Raymond, 1924-2003), onde existe o conflito de identidade refletido nos trajes híbridos que ele usa. A possibilidade da união entre as duas raças também é apresentada, quando Lance, que de certa forma se interessa romanticamente por Orrie, diz a ela quando esta se declara: “Para nós, é impossível. Quem sabe daria certo entre nós daqui a cem anos, quando todos pudessem nos entender“.

Robert Taylor, Paula Raymond e Spring Byngton

Tudo que há para ser dito sobre O Caminho do Diabo é dito pela câmera, que como indicado inicialmente, atravessa a superfície de cada situação e penetra a um nível de onisciência, compartilhando com o espectador a sensação pura e genuína de ler mentes. É assim que Mann vai construindo o ódio e preconceito, através daquela velha habilidade sobre-humana pra compor planos. Trazendo o público para a ótica do índio em oposição ao homem branco (o que por si só já é um verdadeiro evento no gênero), Mann capta todos os sinais de atrito racial e falhas de caráter (possivelmente invisíveis aos olhos de um branco) como manifestações físicas em cena.

James Mitchell e Robert Taylor, este a se recuperar de uma briga, onde sai vencedor.

Robert Taylor consegue aqui uma interpretação sóbria, e talvez uma das melhores de sua carreira. Uma das características de Anthony Mann para com atores era arrancar deles o máximo de potencialidade em suas interpretações, e ele poderia conseguir isso mesmo com atores mais limitados.

Almas em Fúria – The Furies (1950)

Barbara Stanwyck em ALMAS EM FÚRIA (1950)

É um western freudiano sobre as relações entre a heroína, Vance Jeffords (Barbara Stanwyck, 1908-1990) e seu pai, T.C. Jeffords (Walter Huston, 1884-1950), latifundiário do Novo México. Ela é expulsa de casa, após ter desfigurado com uma tesoura o rosto da madrasta (Judith Anderson, 1897-1992), que viera usurpar o lugar de Vance na imensa propriedade. Logo, o desejo de vingança impera em sua alma contra a madrasta.

Walter Huston, Barbara Stanwyck e Wendell Corey em ALMAS EM FÚRIA (1950)

Vance procura refúgio junto a um amigo de infância mexicano, Juan Herrera, (Gilbert Roland, 1905-1994); porém o pai cerca o reduto onde ele vive com a mãe e os irmãos e manda enforcar o rapaz. A filha jura então tomar a fazenda do velho, o que consegue, com a ajuda de um antigo pretendente, Rip Darrow (Wendell Corey, 1914-1968), também interessado na vingança, por outros motivos. Reconhecendo a derrota, o pai faz as pazes com a filha, mas vem a ser morto pela mãe (Blanche Yurka, 1887-1974), cuja morte havia ordenado.

Babs pronta para atacar em ALMAS EM FÚRIA (1950)

Sob um estudo acurado, Mann mantém a atmosfera dramática durante todo o desenrolar da narrativa. A tensão é realçada nos momentos de agressão à madrasta e do tiroteio no cerco à família dos mexicanos no alto do morro, fotografada com perfeitos contrastes de claro-escuro e efeitos de silhueta. O cineasta teve um grande apoio do elenco, todo ele irrepreensível, destacando-se naturalmente Walter Huston (pai de John Huston) e Barbara Stanwyck .

Poderosa Barbara Stanwyck, a protagonista de ALMAS EM FÚRIA (1950)

Produção de Hal Wallis para a Paramount Pictures, com roteiro de Charles Schnee do livro de Niven Busch. Foi o último filme de Walter Huston. O título em inglês se refere ao mito grego das Fúrias e é o nome da fazenda onde se passa a história. Na citada mitologia as Fúrias eram a personificação da vingança, o principal tema do filme.

Winchester 73 – Idem (1951)

James Stewart, o dramático cowboy de WINCHESTER 73 (1950)

WINCHESTER 73 é raramente lembrado pelos fãs de faroestes como um grande clássico do estilo. Tal desprezo aconteça porque Mann jamais logrou alcançar a fama de John Ford, e nem tinha tal pretensão, uma vez que era admirador do grande mestre. Mas os verdadeiros especialistas têm consciência da importância crucial da produção e na renovação do western que, após a II Guerra Mundial (1939-1945), já estava entrando em decadência. Este trabalho do diretor flerta com a mitologia do Velho Oeste sem romper com ela, mas delineia um novo tipo de personagem que se tornaria fundamental nos faroestes que se seguiriam e que iria influenciar até mesmo o faroeste italiano, que viria nos anos de 1960.

James Stewart, Will Geer e Stephen McNally em WINCHESTER 73 (1950)

Lin McAdams (James Stewart, 1908-1997), um caubói sem casa, acostumado a viajar sem parar pelas grandes pradarias, junto com o parceiro Spade Frankie Wilson (Millard Micthell, 1900-1953)). Lin é um homem remoído pelo ódio e pelo desejo de vingança. Ele aporta em Dodge City, em 1876, à procura de um inimigo, que reconhece na figura de Dutch Henry Brown (Stephen McNally, 1913-1994). O nome do vilão é falso, mas o resto é conhecido; os dois quase se esmurram ao ver-se pela primeira vez, em um bar. Logo ambos estão disputando o lendário e caríssimo rifle do título, em um concurso de tiro ao alvo.

James Stewart e Millard Mitchell em WINCHESTER 73

Lin vence a disputa, após uma contagiante briga com o inimigo, mas não fica com a arma durante muito tempo. Ele é emboscado no hotel por Dutch, que foge da cidade carregando o rifle que onze entre dez pistoleiros dariam um braço para ter. Passa, então, a ser perseguido por Lin, muito mais por um motivo que permanece um enigma para o espectador, e pertence ao passado em comum de ambos, do que pela arma. O filme não acompanha exatamente a trajetória de Lin, mas sim a do rifle, que troca de mãos várias vezes durante uma jornada imprevisível e excitante.

Stewart e McNally em luta: WINCHESTER 73

Um ponto que chama a atenção de imediato é a maneira como Anthony Mann trata a mitologia do Velho Oeste. A mítica Dodge City, por exemplo, não é uma cidade segura tal como reza a lenda – senão, como um bandido como Dutch teria conseguido roubar Lin e fugir ileso? Da mesma forma, o xerife da cidade, o lendário Wyatt Earp (Will Geer, 1902-1978), é retratado pelo filme como um homem distraído, que se apóia mais na aura mítica de que desfruta para se impor aos pistoleiros do que pela habilidade no gatilho, uma fama que jamais tem a oportunidade de comprovar (o Earp verdadeiro esta longe de ser um herói laureado de virtudes, como que retratado nos filmes como “Paixão dos Fortes” de John Ford e “Sem Lei e Sem Alma”, de John Sturges, mas isto é outra história). Em outras palavras, Anthony Mann foi o primeiro cineasta a questionar, ainda que de forma sutil, os mitos do Velho Oeste. Winchester 73 foi o western que deu inicio a parceria entre o ator James Stewart e o diretor Mann, se seguindo para mais quatro trabalhos no gênero como veremos a seguir.

E O Sangue Semeou a Terra – Bend of the River (1952)

James Stewart e Arthur Kennedy em E O SANGUE SEMEOU A TERRA (1952)

Glynn McLintock (James Stewart), guia de uma caravana de pioneiros, salva Emerson Cole (Arthur Kennedy, 1914-1990) de ser enforcado como ladrão de cavalos, estabelecendo-se entre os dois uma estima recíproca. Glynn, que já havia sido um fora da lei, já havia passado por situação parecida e, apesar de suas suspeitas, espera que Cole, como ele próprio, se regenere. Contudo, Cole cede à tentação do dinheiro.

Julie Addams e James Stewart em E O SANGUE SEMEOU A TERRA (1952)

E O Sangue Semeou a Terra incita um questionamento: a de que se um homem pode ou não realmente se regenerar. O personagem de Jay C. Flippen questiona ao próprio Glynn sobre a improvável transformação no ser humano, comparando homens maus e sem caráter a “maçãs podres” que colocando junto com as maçãs boas, colocam risco de contaminar as demais, tal como a sociedade que muitas vezes se deixa enganar por homens corruptos. Mas segundo o ponto de vista de Glynn, existe uma brutal diferença entre as maçãs e os homens, e quem acaba se convencendo disso é o próprio personagem de Flippen, que até então ignorava o passado do amigo quando este lhe salva a vida. Sem dúvida, The Bend Of The River é um dos melhores westerns de Anthony Mann.

James Stewart em E O SANGUE SEMEOU A TERRA

A trama teria um remake em um dos episódios da série de TV Daniel Boone (1964-1970), com Fess Parker, intitulado “Caravana para Camberland”, em duas partes, onde coloca Boone na mesma situação de James Stewart em E O Sangue Semeou a Terra.

O Preço de Um Homem – The Naked Spur (1953)

James Stewart em O PREÇO DE UM HOMEM (1953)

Stewart é Howard Kemp, um homem que perdeu tudo na Guerra Civil Americana (1861-1865) e que vai atrás do fugitivo da lei Ben Vandergroat (Robert Ryan, 1909-1973) como meio de receber recompensa por sua captura (cujo prêmio é de 5 mil dólares) e assim recuperar suas perdas e reaver seu rancho. Ben escapa em companhia da filha de um pistoleiro, Lina Patch (Janet Leigh, 1927-2004). Consegue encurralar Ben nas montanhas, mas Howard se vê na contingencia de aceitar dois novos caçadores de prêmio: Jesse Tate (Millard Mitchell, 1900-1953) e Roy Anderson (Ralph Merker, 1920-1988). Logo, desentendimentos e ambições desenfreadas não faltam nesta trama, que somente o toque de Midas de Mann saberia conduzir com toda maestria.

Robert Ryan, Janet Leigh e Millard Mitchell em O PREÇO DE UM HOMEM (1953)

Durante a viagem até a cidade, semeada de incidentes, o malfeitor incita uma guerra de nervos entre seus guardiães, servindo-se de Lina para distrair a atenção de Kemp. Após uma tentativa frustrada de fuga, Ben convence Tate a soltá-lo, com a promessa de indicar-lhe o local de uma mina de ouro, mas, assim que se vê livre, mata-o sem piedade. Em seguida, Ben arma uma cilada para Kemp e Roy, porém, graças a Lina, que por fim compreende o verdadeiro mau caráter de Ben, o plano fracassa. Abatido por Kemp, o corpo de Ben cai nas correntezas de um rio e, pensando na recompensa, Roy tenta resgatar o cadáver, sendo tragado pelas águas turbulentas. Kemp resgata o corpo, mas, diante das súplicas de Lina, o abandona. Com o apoio e o amor da jovem, constituirá uma nova vida, sem recorrer àquele dinheiro, causa de tantos crimes.

Stewart, Janet Leigh e Ralph Meeker em O PREÇO DE UM HOMEM

Percebe-se a fragilidade emocional do personagem vivido por James Stewart. No decorrer de toda trama, vê-se que ele não esta atrás do bandido (por sinal, vivido pelo sempre magistral Robert Ryan) objetivando justiça, mas um resgate de tudo que ele perdeu durante os anos de guerra civil. Para ele, é uma questão de honra, já que o futuro é incerto para ele. Ele não pensa de início em dividir com ninguém a recompensa pela captura de Ben, e suas intenções são escusas. Mas se vê necessitado, e reflete que não poderia capturar o bandido sozinho se são fosse a ajuda de Tate e Roy, e estes vem a saber do verdadeiro motivo de Kemp, que se apresenta a eles como um homem da lei. Kemp de início se recusa a dividir a recompensa e quer agir por conta própria, mas não vê solução. Kemp foi, inicialmente, um mau caráter? Só o ponto de vista do espectador para fazer ele mesmo uma análise bem aprofundada, já que a interpretação é pessoal. Contudo, podemos ver que houve a redenção do protagonista. O tempo todo, apesar de toda fortaleza que fazia acreditar, Kemp é frágil. Em um momento em que é ferido e contraí febre, ele tem delírios e sonhos com a esposa que morrera. Lina, que vem a cuida-lo, tinha tudo para não entender a fragilidade do personagem de Stewart, aos poucos vem a entendê-lo, como também vai perceber quem é, de fato, seu companheiro Ben Vandergroat. Kemp tem sua redenção, graças a ajuda de Lina, e ele vem a perceber que não seria o dinheiro da recompensa que traria novamente sua felicidade, mas a paz consigo mesmo e uma nova vida ao lado da mulher que, por fim, lhe abriu os olhos. Talvez a mais pungente de todos os westerns de Mann nesta fase seja O Preço de um Homem, que prova ser um acurado estudo sobre a ambição humana, que repete o tema já levado por John Huston no seu clássico “O Tesouro de Sierra Madre”, de 1948, contudo com a mitologia e os símbolos dramatúrgicos sempre presentes em seus westerns.

Um Certo Capitão Lockhart – The Man From Laramie (1954)

James Stewart em UM CERTO CAPITÃO LOCKHART (1954)

Outro western, talvez com tenacidade mais dramática do que os demais feitos por Mann, novmente com Stewart, que interpreta Will Lockhart, que vai de Laramie, Wyoming, até Coronado, Novo México, em busca daqueles que venderam armas aos apaches que mataram seu irmão, um militar.

Cathy O’ Donnell e Arthur Kennedy em UM CERTO CAPITÃO LOCKHART (1954)

Novamente, Arthur Kennedy é o vilão, dessa vez mais acovardado do que Emerson Cole de “O Sangue Semeou a Terra”. Kennedy interpreta Vic Hansbro, capataz da fazenda e filho adotivo do poderoso dono da região, Alec Waggoman (Donald Crisp, 1880-1974), tio de Bárbara (Cathy O’ Donnell, 1923-1970), noiva de Vic mas que acaba sendo o interesse romântico de Will – e pai biológico de Dave (Alex Nicol, 1916-2001), um mimado desordeiro que ataca o acampamento de Will. Este cai na desforra contra Dave e lhe dá uma surra. Como menciona o Professor A.C.Gomes de Mattos em seu artigo sobre o grande cineasta numa das edições da saudosa revista Cinemin, sobre Um Certo Capitão Lockhart, a figura trágica do velho é de inspiração shakespereana, pois a analogia com o Rei Lear é evidente. Alec, cego, pensando em repartir o império, não percebe que é o filho adotivo quem mais o ama e pratica atos insensatos, provocando sua própria queda – dá enorme dramaticidade ao filme, que apresenta, sob o plano formal, uma inteligente utilização do CinemaScope.

O grande segredo deste western está em não ter aqueles momentos magníficos e nem um grande herói que pudesse seguir o estilo de Ford e Hawks. Apenas homens comuns em busca de alguma coisa, seja por vingança, por conquista ou reconhecimento. Aproveitando a simplicidade e o natural talento de Stewart em fazer homens comuns, Mann investe na vida dos personagens no presente, sem dar muita ênfase ao passado deles, que apesar de importante, não precisa ser um grande mistério. O que importa é ali, aquele momento e suas decisões sobre as armadilhas que a vida emprega.

Região do Ódio – The Far Country (1955)

James Stewart em REGIÃO DO ÓDIO (1955)

O vaqueiro Jeff Webster (Stewart) e o amigo Ben Tatum (Walter Brennan, 1894-1974). Eles chegam com seu gado a Skagway, no Alasca, onde enfrentam a ira do “juiz” Gannon (John McIntire, 1907-1991), que os manda prender e lhes confisca o rebanho. Pela intervenção de uma dona de saloon, Ronda Castle (Ruth Roman, 1922-1999), os dois são libertados e, sem dinheiro, aceitam servir como guia no comboio de Ronda até Dawson, onde ela pretende abrir um novo estabelecimento. No meio do percurso, Jeff e Ben voltam a Skagway, recuperam o gado e, já em Dawson, resolvem explorar uma concessão aurífera para, com o lucro, adquirirem uma fazenda no Utah. Porém Gannon e seus capangas vão atrapalhar os planos dos dois amigos.

Ruth Roman, John McIntire, Robert Wilke e Jack Elam em REGIÃO DO ÓDIO (1955)

Mann expõe nesta obra a dinâmica interação dos conceitos de individualismo e responsabilidade social. Obediente apenas as suas próprias convicções, Jeff a princípio não quer se envolver com os problemas dos outros e só saca do revólver quando se vê ameaçado; porém, no fim, ele vem a compreender valor da amizade sincera e, para o bem de todos e pelo bem da comunidade, elimina Gannon num lance de grande astúcia.

O Tirano da Fronteira – The Last Frontier (1955)

Victor Mature em O TIRANO DA FRONTEIRA (1955)

Victor Mature (1913-1999) conseguiu desempenho primoroso na pele do caçador Jed Cooper, que junto com seus dois outros amigos também caçadores, Gus (James Whitmore, 1921-2009), e o índio Mungo (Pat Hogan, 1920-1966), chegam a um forte avançado de cavalaria comandado pelo Capitão Riordan (Guy Madison, 1922-1996), que os contrata como batedores. Jed fica interessado na esposa de um arrogante e racista coronel, Frank Marton (Robert Preston, 1918-1987). A esposa, Corina, é interpretada pela eficiente Anne Bancroft (1931-2005), que neste western esta de cabelos louros. O Coronel Marton usurpa o comando de Riodan e prepara seus soldados para um sanguinário embate contra os peles vermelhas.

Victor Mature e Anne Bancroft em O TIRANO DA FRONTEIRA (1955)

Jed é simples e ignorante, e é visível nele inexperiência de vida, desprovido de conhecimento das armadilhas que a civilização pode impor, em suma, um selvagem que age por instintos e não por regras, sem contudo, perder uma certa inocência. Tem como orientador seu amigo Gus, bem mais velho e um pouco mais experiente, que o aconselha sempre e desaprova o interesse de Jed por Corina. O que é interessante na temática deste excelente western é a critica à civilização, muitas vezes hipócrita, feita por um selvagem e inocente. Outro ponto a destacar é a desmistificação do General Custer (1839-1876), aliás é a primeira vez que o cinema viria por um fim no mito, quando o coronel Marton passa a sublinhar sua obstinação de combater os índios. Jed percebe que Marton não é bem quisto por seus comandados, e quando o deixa para morrer em um bosque, inocentemente ele retorna ao Fort com o que ele poderia achar estar dando boas notícias, mas logo percebe que foi reprovado por tal conduta, e claro que o lado primitivo de Jed não consegue compreender isto. Vale ainda registrar o excelente roteiro de Philip Yordan (1914-2003).

O Homem dos Olhos Frios – The Tin Star (1957)

Anthony Perkins e Henry Fonda em O HOMEM DOS OLHOS FRIOS (1957)

Morg Hickmann (Henry Fonda, 1905-1982), ex-homem da lei que, ressentido contra a sociedade por causa de um acontecimento no passado, se torna caçador de recompensas, trazendo para o xerife Ben Owens (Anthony Perkins, 1932-1992) o corpo de um bandido e cobrando a recompensa. Ben é novato e um tanto inexperiente no ofício e, depois que Hickmann o tira de encrencas, os dois ficam amigos. O homem mais velho e experiente passa então a atuar como professor e conselheiro do jovem xerife, até que este adquire a confiança necessária para exercitar seu trabalho, dominando sozinho Bart Bogardus (Neville Brand, 1920-1992- na vida real herói americano condecorado na II Guerra), o maior desordeiro da cidade. Ao orientar o Xerife principiante, Hickmann se reeduca e a sua lassidão se transforma em ardor.

Novamente aqui temos um herói idealista (todos os heróis de Mann tem um passado comprometedor!). Mas ao contrário dos demais personagens, que precisavam provar sua regeneração, este apenas se preocupa em passar sua experiência de vida a um jovem homem da lei, que exerce sua função bem timidamente. O que incomoda em Hickmann é o fato de não ser correspondido pela sociedade, afinal como homem da lei que fora, o mínimo que poderia receber é o reconhecimento pelo seu trabalho. Achou mais fácil ser um Caçador de Recompensas. Estes, não eram necessariamente bandidos, mas era um meio de sobrevivência no Velho Oeste. Se o herói protagonizado por Fonda fosse um individualista por completo, não se incomodaria em ensinar a Ben (Perkins) os segredos do ofício (e muitas vezes, ingrato) de Homem da Lei. Ao menos, Ben não se demonstra ingrato.

O Homem do Oeste –

Man of The West (1958)

Gary Cooper é O HOMEM DO OESTE (1958)

Anthony Mann já havia retratado a questão da regeneração humana em O Sangue Semeou a Terra. Dessa vez, o cineasta optou por colocar o herói não como alguém que confia na regeneração do ser humano seguido de sua própria experiência, mas também era preciso o protagonista tentar viver em paz e esquecer a qualquer custo o seu passado. No entanto, suas reminiscências voltam, e isto faz que ele não se sinta redimido por inteiro. Precisa, de alguma maneira, encontrar sua redenção.

Link Jones (Gary Cooper, 1901-1961) abandonou seu passado criminoso para ter uma vida mais cômoda e honesta com sua esposa; anos depois, por uma fatalidade de destino, reencontra seu antigo tutor (que o tratava como filho) com outra gangue, mais jovem, contudo, menos interessante; dadas às circunstâncias, Link Jones é forçado a acompanhar a gangue em um crime mais ambicioso – terá que encarar de maneira mais intensa do que nunca, porque agora ele tem consciência de quem realmente era em seu passado sujo e violento e, talvez, expugná-lo de uma vez por todas em sua última missão.

Gary Cooper e Julie London em O HOMEM DO OESTE (1958)

Nos westerns anteriores, Mann já vinha se dedicando a desconstruir os mitos do Velho Oeste, como o xerife Wyatt Earp (em “Winchester 73”). Aqui, ele vai além e ataca a mitologia da época. Os bandidos são os mais viscerais a se aproximar dos westerns contemporâneos, como Os Imperdoáveis de Clint Eastwood, em 1992. O perfil da gangue de malfeitores é construído como um triste comentário: Eles são homens proscritos, que vivem à margem da civilização, isolados em um rancho a 150 quilômetros de distância da cidade mais próxima. Largado por engano na vastidão do deserto junto a uma cantora de cabaré, Billie Ellis (Julie London, 1926-2000) e um trapaceiro, Sam Beasley (Arthur O’Connell, 1908-1981), Link é obrigado a reviver um passado nada agradável de assaltante de bancos e se reunir à antiga quadrilha do tio, Dock Tobin, vivido pelo excelente Lee J. Cobb (1911-1976).

Jack Lord, Royal Dano e Gary Cooper em O HOMEM DO OESTE
Gary Cooper em perigo com Jack Lord: O HOMEM DO OESTE (1958)

Mann recicla mais uma vez seu herói predileto do gênero, o homem amargurado que tenta fugir de um passado condenável, em uma trama que enfoca mais uma vez os embates entre ex-amigos que agora se encontram em lados distintos da lei. Vale para registro a presença de outros talentos que muito contribuíram em outros filmes do gênero, como John Dehner (1915-1992), Royal Dano (1922-1994) e Robert J. Wilke (1922-1989), notáveis “bandidões” bem característicos nos filmes de western nas décadas de 1950 e 60. E na companhia desses “famigerados” está Jack Lord (1920-1998) que seria mais conhecido como o Detetive Steve McGarrett na famosa série de TV HAVAI 5-0 (1968-1980). O papel de Lord é de extrema importância no papel de Coaley, um dos capangas de Dock Tobin, também criado como filho por este. Coaley humilha Billie (Julie London), forçando-a a fazer um striptease, sob o olhar de Link (Cooper), que impotente e sem defesa naquele momento, tem uma faca encostada em sua garganta.

Link não vai deixar barato, e é ai que entra o senso de justiça (ou vingança!) muitas vezes retratado nos westerns de Mann, quando o protagonista resolve dar o troco durante uma briga com Coaley. Além de sair vencedor, Link resolve humilha-lo da maneira semelhante com que ele havia feito com Billie, tirando-o toda sua roupa perante Dock e os demais.

A luta entre Gary Cooper e Jack Lord em O HOMEM DO OESTE

Link esta disposto a matar Coaley, estrangulando-o, porém percebe que ao fazer isso estava agindo como Dock e seus capangas. Apesar desta momentânea mudança, Link mantém seus ideais para salvar Billie e enfrentar seu antigo tio. O Homem do Oeste é um dos grandes momentos do diretor Mann em um dos últimos westerns com Gary Cooper, um dos astros mais marcados no gênero em Hollywood.

Cimarron – Idem (1960)

CIMARRON (1960), com Glenn Ford, Maria Schell e Anne Baxter

Mais para uma saga épica do que propriamente um western, Cimarron na verdade é remake de um clássico dirigido em 1931 por Wesley Ruggles (1889-1972), baseado no famoso Best-Seller escrito por Edna Ferber (1885-1968) e publicado em 1929, que ganhou o Oscar por Melhor Filme de 1931. Anthony Mann utilizou-se de muitas mudanças nesta adaptação, tanto em relação ao livro quanto a primeira versão cinematográfica, que foi estrelado por Richard Dix (1883-1949) no papel o herói Yancey Cravatt. Com o “Movimento dos Direitos Civis” ganhando corpo na década de 1960, o roteiro de Arnold Schulman (1925-2023) introduziu na história o tema da luta pelo reconhecimento dos direitos dos nativos americanos, e não deixando de esquecer também da emancipação feminina então em pleno auge, através da personagem de Sabra Cravat, esposa do protagonista da obra.

Glenn Ford e nne Baxter em CIMARRON (1960)

Em 1889, o advogado, jornalista, e aventureiro Yancey “Cimarron” Cravat (Glenn Ford, 1916-2006) se casa com uma dama do Sul, Sabra Cravat (Maria Schell, 1926-2005) e resolve retornar ao Oeste, tentando conseguir as terras com as quais sonhara construir um rancho e criar gado, aproveitando a “Corrida pela terra” iniciada com a concessão do governo americano de vários hectares de Oklahoma para a colonização, adquiridos dos índios. Dentre os vários competidores pelas terras, Yancey reencontra antigos amigos, como o dono de jornal Sam Pegler (Robert Keith, 1898-1966 – pai de Brian Keith, também já falecido), a prostituta Dixie Kee (Anne Baxter, 1923-1985), que outrora foi interesse romântico de Yancey, e o filho de um falecido conhecido, que agora se tornara o jovem arruaceiro “Cherokee Kid” (Russ Tamblyn).

Yancey faz alguns amigos novos, como a família pobre de Tom Wyatt (Arthur O’ Connell, 1908-1981) e o judeu Sol Levy (David Opatoshu, 1918-1996). Dixie, que sabia do desejo de Yancey, o engana e fica com as terras que ele queria, com isso tentando fazer com que o aventureiro abandone a esposa e fique com ela. Yancey desiste da terra, mas permanece com a esposa no território, fundando um jornal no nascente povoado de Osage. Idealista, Yancey se envolve em várias disputas e tiroteios inclusive por se revoltar contra as injustiças cometidas com os índios. Sua esposa teme pela sua segurança e Yancey acaba deixando-a sob o pretexto de uma nova “corrida de terras”, a da “Faixa Cherokee” em 1893. Depois vai para o Alasca e para Cuba, na guerra contra os espanhóis. Sabra aguarda seu retorno junto do filho do casal e cuida do jornal, com a ajuda de Jessie Rickey e do agora financista judeu Sol Levy. Depois das corridas pelas terras, a descoberta de petróleo traz novas mudanças à sociedade de Osage.

Maria Schell e Glenn Ford em CIMARRON (1960)

Um painel épico da história de Oklahoma a partir de 1889, quando o governo abriu à colonização aquele território em lotes de 160 acres, provocando uma desesperada corrida de pioneiros. Como foi dito aqui, todos os personagens principais nos westerns de Mann são idealistas. Esperam um mundo perfeito e sem corrupções; as atitudes de um ser humano tem que ser incondicionais. Nada escapa para Yancey Cravat. Apesar de não ser fidedigno ao texto original de Ednar Ferber, o espírito do romance é bem caraterizado neste último trabalho de Mann no Gênero, ao longo de seus 147 minutos de projeção. Existe uma transformação considerada na esposa de Yancey, Sabra. Ela vem de uma família refinada e da elite social, e se casa com Yancey a contragosto de seus pais. Apaixonada pelo marido, ignora os riscos de explorar uma terra selvagem ao seu lado. Ela aprende tudo sobre a rudeza dos pioneiros, que a princípio fica chocada, mas ao longo do tempo, as próprias divergências entre ela e o marido a fazem crescer. Com a ausência do marido, ela se torna uma mulher independente e, praticamente, cria o filho só enquanto Yancey esta em busca de aventuras. Esta independência faz com que ela anos mais tarde se torne uma conceituada empresária bem sucedida. Da mulher outrora sonhadora com a nova “Terra Prometida” que o marido idealizou, ela se tornou realista e com os pés no chão. Quanto a Yancey, não houve nenhuma mudança ou regeneração. Seu idealismo chega a ser egocêntrica. Nem o futuro do filho e no bem estar familiar ele poupa quando recebe uma recompensa de agradecimento por ter liquidado o malfeitor da região – um cheque que ele acaba rasgando deixando Sabra enfurecida. Também se recusa a se candidatar a governador. Nesta fase, Yancey e Sabra já estavam bem posicionados e ricos, mas ao contrário de Sabra que é mais ambiciosa e se importa com status, Yancey é mais radical em suas convicções, odeia hipocrisias, e vê na política uma máquina de corrupção moral, onde os ricos também se banqueteiam em suas próprias ilusões. Cimarron não está entre os melhores faroestes do diretor, mas posiciona-se como um dos mais requintados no estilo das superproduções.

O cineasta Anthony Mann

Anthony Mann deixou um legado de obras inteiramente inesquecíveis em todos os gêneros cinematográficos, mas seus westerns são obras obrigatórias não só para os amantes dos westerns, mas também para os amantes da Sétima Arte.

Matéria publicada originalmente no extinto blog “Filmes Antigos Club- A Nostalgia do Cinema” em 2012 e agora atualizada, com base em texto publicado pelo crítico e Professor A. C. Gomes de Mattos na revista Cinemin

Paulo Telles é crítico de cinema, escritor, produtor e Radialista (DRT 21959 RJ), e colunista do Cine Retro Boavista no site CINEMA COM POESIA.

https://cineretroboavista.blogspot.com/

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