Adilson Carvalho

Há filmes que ganham a eternidade com uma mensagem capaz de tocar cada um de nós de uma forma bem específica. No caso de Luzes da Ribalta (Limelight, 1952), percebo que por debaixo da melancolia do roteiro há um sinal dizendo que devemos aproveitar a vida ainda que está nos desafie, nos teste, e até nos empurre para longe de nossos sonhos. Perseveramos, diz a história de amor fraterno entre Calvero (Charles Chaplin) e Thereza (Claire Bloom). O filme começa com ele, um palhaço afastado dos palcos do vaudeville da Londres dos idos de 1914, bêbado mas ainda incrivelmente humano ao salvar Thereza (Bloom) do suicídio. Ambos são almas gêmeas, cheios de talento mas abandonados pela sorte, ignorados pela sociedade que os rejeita. Ele bebe para suportar a dor de não conseguir mas se conectar com o público graças a um etarismo cruel, e ela pensa em se matar por não suportar uma inexplicável perda dos movimentos das pernas, fatal para uma bailarina.

Ambos se amparam um no outro, cuidam um do outro, a fraqueza de um despertando a força do outro. O amor está acima das noções carnais, é espiritual, é fraternal e raro já nos dias em que Chaplin filmou a história que roteirizou, dirigiu e co-protagonizou ao lado de uma adorável Claire Bloom, hoje aos 94 anos, única membro sobrevivente do elenco. Luzes da Ribalta transparece ser o canto do cisne de Chaplin, mas é seu antepenúltimo filme, que a América McCarthista rejeitaria já que Chaplin foi praticamente expulso dos Estados Unidos na época. Ainda assim, o filme deu a Sir Charles Chaplin o Oscar de trilha sonora, sendo o único Oscar competitivo que ele recebeu. Chaplin compôs a belíssima Eternally, que logo no ano seguinte ganhou letra em Português composta por Braguinha. Esta versão já foi gravada por Nora Ney, José Augusto e Maria Bethânia, chegando a ser vertida para samba enredo da Beija-Flor por Joãozinho Trinta, intitulada As Mágicas Luzes da Ribalta.
O filme foi originalmente concebido por Sir Charles Chaplin como um romance intitulado Footlights, mas o eterno Carlitos desistiu do formato e o transformou em roteiro de filme, trabalhando durante dois anos e meio no processo, e depois dedicando mais nove meses à trilha sonora. No elenco ainda chamou seu filho Sydney Chaplin para o papel de Neville, um jovem compositor por quem Thereza se apaixona. Outros filhos de Chaplin fazem curtas aparições também. O filme marcou a primeira e única vez que Chaplin divide a cena com o icônico Buster Keaton, para muitos seu grande rival como comediante da era do cinema mudo. Foi o próprio Chaplin quem convidou Keaton para uma participação no filme. Luzes da Ribalta também foi o último filme de Edna Purviance, com quem fez vários filmes e que Chaplin manteve em sua folha de pagamento até o final da vida dela.

O filme veio a ser exibido nos Estados Unidos somente em 1972, quando Chaplin aceitou voltar ao país para ser homenageado, mea culpa de uma América neurótica que não soube valorizar a genialidade Chapliniana. O filme permanece hoje como uma sensível parábola da efemeridade da vida, do sucesso e a certeza de que o ideal de um amor sempre renascerá em algum lugar. Uma obra prima !!!