Paulo Telles

COMPAREÇA AO CINE ROXY E VIVA O BATMAN DAY
Há 37 anos, num dia de março (“o mês do demônio” como na época alguns intitulavam), a Editora Abril lançava em nossas bancas de jornais e revistas o clássico Batman, o Cavaleiro das Trevas (Batman – The Dark Kinight), com roteiro e desenhos de Frank Miller um dos mais respeitados nomes das Histórias em Quadrinhos. Só que na ocasião, não era qualquer demônio que estava em divulgação, mas um que fosse sedento de poder e justiça.

Foi uma surpresa para os jovens fãs brasileiros (e eu fui um deles!) o lançamento desta revista (lançada em quatro edições, de março a junho de 1987) já que vieram a conhecer outra faceta do Homem Morcego, acostumados com as histórias mais infantis do personagem, ou até mesmo acostumados com a série de TV (1966-1968) estrelada por Adam West (1928-2017). Foi um deleite para estes fãs conhecer uma revista tão sofisticada e com requinte de qualidade, superando até mesmo as edições europeias. A história começa num futuro fictício, quando a vida americana beirará ao insuportável. Ainda no clima da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética estão prestes a entrar em conflito. Na ocasião, grupo de mutantes formados por gangues causam terror pelas grandes cidades, inclusive Gotham City.

Neste futuro, o milionário quase sessentão Bruce Wayne, sem companhia do seu antigo pupilo Dick Grayson (com quem havia brigado) vive em sua mansão com seu antigo mordomo Alfred. O comissário James Gordon já sabe nesta altura do campeonato que Bruce Wayne foi o maior combatente do crime em Gotham. Mas Batman está aposentado e os super heróis neste futuro são mal vistos pela sociedade, já que muitos deles ficam contra a lei estabelecida, muito embora ainda tenham senso de justiça. Entretanto, Batman quebra seu ostracismo e volta a combater o crime (ao seu modo, é bom esclarecer!) em Gotham City. Mesmo mais velho e pesado, ele volta ativa para fazer triunfar a justiça ou, então, aplacar sua própria fúria, de sua própria “entidade” que habita seu corpo. O morcegão não é um super herói invulnerável. Ele é espancado, atacado pela imprensa, caçado pela polícia e, descartado pelo Presidente dos Estados Unidos que envia contra Batman um agente especial do governo, nada mais e nada menos que um conformado e submisso Superman.

Em O Cavaleiro das Trevas, Batman exerce todo seu poder e fúria como se estivesse numa possessão demoníaca. Em sua noite solitária na mansão, o velho Bruce Wayne cede seu corpo a raiva cega e vingativa do Homem Morcego. Tão cega esta raiva que não admite seus quase 60 anos, se metendo em proezas magníficas, mas que nem sempre se dá bem.

A narrativa de Batman, o Cavaleiro das Trevas é bem elaborada, dando voz aos personagens como o comissário Gordon, ao Super-Homem, a Alfred, a Mulher-Gato e a Robin. A trama é costurada através de uma interminável programação de um canal de TV, usando de argumentos pró e contra Batman. Mas o roteiro inteligentíssimo de Miller não faltou as surpresas.

Depois de Dick Grayson e Jason Todd (morto pelo Coringa) agora era a vez da adolescente e estudante do ensino médio Carrie Kelley assumir a parceiria com o Homem Morcego, um “Robin feminino”. O Coringa, inimigo figadal de Batman, volta a ativa matando crianças e inocentes, revelando uma mistura de amor e ódio ao herói. O bom e velho Batman se mostra cada vez mais violento a cada página e a cada edição da obra, violência esta digna de perfis vividos por Charles Bronson e Clint Eastwood no cinema nos anos de 1980. E ainda tem o duelo decisivo entre Batman e Super-Homem, duelo este reproduzido em Batman Vs Superman – A Origem da Justiça, filme de 2016.

Entretanto, é bom salientar que esta característica violenta de Batman não é nenhuma novidade no mundo dos quadrinhos, pois em 1939, através de Bob Kane (1915-1998) e Bill Finger (1914-1974) Batman surgiu de forma dárkica, assustadora, e terrivelmente agressiva.

Batman em seus primeiros dias no mundo dos quadrinhos, além de se vestir como um quiróptero humano para aterrorizar os bandidos, enviava a eles um morcego vivo dentro de uma caixa. Como na história de Frank Miller, Batman já era caçado pela polícia nas suas primeiras aventuras, rapidamente semeando pânico e terror nas gangues de Gotham. Além do fabuloso cinto de utilidades, Batman tinha uma pistola automática e usava um colete a prova de balas, isto é, o herói não hesitava em usar qualquer meio para combater o crime, e se fosse preciso, matava.

Com o surgimento de Robin (que foi praticamente imposto pelos canais de censura, que segundo eles, as histórias andavam violentas e podiam influenciar negativamente os leitores mais jovens), Batman precisou humanizar. Aliás, o jovem parceiro do Homem Morcego tinha que ser um menino (o menino prodígio!), para que as crianças pudessem se identificar. Batman ainda podia abrir caminho na luta contra o crime, mas na hora H, era salvo pela incrível habilidade acrobática e pontaria infalível do estilingue de Robin. Contudo, se tivesse que ser criado nos dias de hoje, Robin dificilmente teria espaço na mídia moderna, pois seria inconcebível um herói como Batman pondo em risco a vida de uma criança no combate ao crime, já que na atualidade em que vivemos foge drasticamente do politicamente correto.

Em 1941, Batman substituiu os voos pelos telhados da cidade pelo possante Batmóvel (depois viriam a Bat-lancha, o Bat-Cóptero, e outras parafernálias). Assim, por muito tempo as histórias de Batman e Robin foram tomando contornos mais pueris (que fez influenciar a série de TV de 1966), até Frank Miller resgatar o perfil original do Homem Morcego, adicionando a ele seu estilo pessoal de ousadia gráfica e narrativa em Batman – O Cavaleiro das Trevas, sendo este um marco mundial nas histórias em quadrinhos até os dias de hoje. O evento acontecerá nos dias 13 e 14 de setembro no Instituto Arte no Dique, Cine Roxy e Cinemateca de Santos. Criado em 2021 por André Azenha, crítico de cinema e produtor cultural autor de livros e realizador de exposições sobre o Cavaleiro das Trevas, o festival foi pioneiro no Brasil e surgiu como uma forma de homenagear o personagem Batman, criado por Bob Kane e Bill Finger em 1939.
