HQ TERRITORIO NEUTRO | BLUEBERRY – EDIÇÃO DEFINITIVA VOLUME #3

Leandro “Leo” Banner

BLUEBERRY – EDIÇÃO DEFINITIVA VOLUME #3 da Editora Pipoca e Nanquim continua a publicação da saga do Tenente Mike Steve Donovan, mais conhecido como Tenente Blueberry, num exemplar que celebra a sofisticação máxima do western europeu, reunindo as edições francesas integrais 6 e 7 (equivalentes aos álbuns O Fora da Lei, Angel Face, Nariz-Quebrado, A Longa Marcha, A Tribo Fantasma, A Última Cartada e O Fim da Trilha) num único tomo de 388 páginas em capa dura, num formato diferenciado com papel offset de qualidade. Trazendo consequências diretas do volume anterior, a edição começa com o álbum O FORA DA LEI, publicado originalmente nas edições #700-720 da Pilote em 1973, e algum tempo depois no formato de álbum sob o título L’OUTLAW, enquadrando-se na sequência do chamado “ciclo do tesouro confederado”(que começou no volume anterior no álbum CHIHUAHUA PEARL), iniciando um díptico que se conclui parcialmente no álbum seguinte, ANGEL FACE.

Neste volume, o tenente Blueberry é falsamente incriminado pelo roubo de um “tesouro confederado”, expulso da cavalaria e encarcerado na sinistra Prisão Militar de Francisville. A história se aprofunda em reviravoltas surpreendentes que evitam clichês do gênero, impulsionadas por uma narrativa que mescla tensão, investigação e redenção. A trama consolida o ápice criativo de Jean‑Michel Charlier, com seu texto maduro, complexo e cheio de nuances, detalhado na medida certa, o que lhe confere um notável nível de excelência. O ciclo dos índios é o ponto alto: Blueberry é acolhido pelos navajos, adota o nome Tsi‑Na‑Pah (no álbum Nariz‑Quebrado) e mergulha nos conflitos culturais e políticos do Oeste — um arco temático que traz na essência um subtexto com inúmeros questionamentos e reflexões extremamente válidas até os dias atuais. O traço de Jean Giraud brilha neste volume. Ao abraçar totalmente o alter ego MOEBIUS, Giraud libera um estilo mais fluido, com linhas finas, cores vibrantes e composições cinematográficas, especialmente nas sequências dos Apaches e nos layouts dinâmicos que revitalizam o faroeste tradicional. Aqui já é possível ver Moebius em todo seu esplendor, com aquela arte expressiva que o caracteriza em obras como O INCAL e PARÁBOLA, com uma assombrosa e deliciosa riqueza de detalhes e expressividade que facilmente colocam essa obra num patamar de grande destaque no universo da Nona Arte. Vale citar algumas sequências – entre outras – que merecem atenção:

Fuga de Francisville — Os painéis que retratam a prisão militar de Francisville são carregadas de tensão visual: corredores sombrios, luz filtrada pelas grades das celas e o olhar de Blueberry marcado pela injustiça. O uso de sombras e ângulos reduzidos transmite claustrofobia e urgência — um cenário perfeito para a fuga cinematográfica. Após essa sequência , os álbuns seguintes enveredam para cenas mais amplas do deserto e acampamentos indígenas. A paleta fria da prisão dá lugar a tons terrosos, vermelhos, azuis contemplativos — um contraste perfeito que simboliza a transformação interna de Blueberry .
Ciclo Navajo: encontro cultural — Ao se integrar aos navajos como Tsi‑Na‑Pah, Blueberry é inserido em atmosferas amplas e abertas: acampamentos ao entardecer, fogueiras e orientações espirituais. O contraste com os interiores claustrofóbicos da prisão amplia seu arco de redenção visual e emociona.

Ao longo da edição é possível perceber que Giraud abraça texturas, volumes e cores mais profundas. No arco Angel Face, manipula quadricromia com precisão — o pôr do sol, o pano de fundo dos desertos, os símbolos indígenas — tudo ganha impacto visual e emocional, acrescentando uma considerável e singela sofisticação em sua linguagem visual. E ainda, celebrado pela sua grande capacidade de composições cinematográficas como poucos artistas, Giraud lança mão de planos distintos: cenas amplas de terra, diálogos em quadros sobrepostos, cortes de olhar e tensão, misturando ritmo e espaço sem perder clareza narrativa. Há momentos em que um único painel reproduz um pôr do sol emblemático, ou um close nos pés de um personagem indo embora, criando fortes e marcantes pausas dramáticas. No frigir dos ovos, em comparação com o volume anterior, o Volume #3 representa o ápice criativo dos autores, onde Charlier e Giraud — agora Moebius — consolidam o personagem em múltiplas dimensões em aspectos psicológico, político e espiritual, em situações onde todas as pontas soltas são magistralmente amarradas no último álbum da coletânea, O FIM DA TRILHA, naquela que, infelizmente, seria a última história completamente escrita por Jean-Michel Charlier. A edição se consubstancia num verdadeiro monumento visual e narrativo: da prisão à tribo, do deserto raivoso aos rituais dos navajos, Blueberry se humaniza. Cada quadro é um deleite visual, cada cor, uma batida emocional. Os extras transformam a leitura em imersão — tanto para fãs quanto para quem busca entender o casamento entre HQ e história cultural, que contem ainda rascunhos originais, capas e fragmentos de roteiro, além de dossiês e artigos críticos (como A Reabilitação de Blueberry e O fim de Pilote…), que tornam esta edição um objeto de estudo e de beleza . No estágio atual, Blueberry é reconhecido não só como peça central das HQs de western, mas também como obra-prima de quadrinhos. A primorosa edição nacional produzida pela Pipoca & Nanquim, vencedora algumas vezes do Troféu HQ Mix , reforça esse status ao apresentar o volume como parte de uma coleção integral e definitiva, de uma das mais famosas e importantes sagas da história dos quadrinhos mundiais resultando num produto luxuoso, tanto para colecionadores quanto para novos leitores, sobretudo para aqueles que buscam uma narrativa adulta, densa e reflexiva. Está fantástica edição é indispensável para qualquer biblioteca de HQ, um marco que reafirma Blueberry como patrimônio mundial dos quadrinhos — moderno, histórico, visceral, contemplativo e, indubitavelmente relevante, a despeito do parco e injusto tratamento que lhe fora dedicado por editoras anteriores (Abril e Panini). Não confie apenas neste review, disponha-se a ler e acompanhar a saga de Blueberry e permita-se ser surpreendido e arrebatado por uma das melhores obras de narrativa gráfica de todos os tempos.
Obra-prima! Simples assim.

Avaliação: 5/5

Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻

Deixe um comentário