Por Adilson Carvalho

Tenho o prazer de ter como amiga a rainha Selma Lopes, a grande dama da dublagem brasileira. Selam foi homenageada recentemente com a Medalha Chiquinha Gonzaga, honraria concedida pela Câmara Municipal a mulheres que se destacam na sociedade por suas atividades ligadas à cultura e à arte. Voz de Marge Simpson, Vovó Soledad (da novela A Ursupadora), Miss Michael Learned (da série clássica Os Waltons), Mama Odie (da animação A Princesa & O Sapo), Whoopi Goldberg (Ghost – Do Outro Lado da Vida, Mudança de Hábito, A Cor Púrpura), Betty White (A Casa Caiu), Tia May (Homem Aranha 2 e 3 e na animação Homem Aranha no Aranhaverso), Madame Rosmerta (Harry Potter & o Prisioneiro de Azkaban), Srta Biggs (ICarly), Madame Patilda (Duck Tales), Agatha Harkness (XMen Evolution) entre tantos outros papeis marcantes. Tive o imenso prazer de conversar com essa pioneira do rádio e Tv brasileira, cuja entrevista reproduzo abaixo:

Adilson: Você trabalhou no rádio e depois foi uma das primeiras dubladoras quando o processo ainda engatinhava no país. Como foi que aconteceu essa mudança ?
Selma: Na época eu estava na rádio Mayrink Veiga e a dublagem era uma nova profissão que surgia. Alguns atores, principalmente os de rádio e do teatro, foram contatados para fazer testes que verificariam se se adaptariam a esse novo sistema de trabalho. Para quem já fazia rádio foi muito fácil, ao menos para mim foi assim. O rádio foi uma verdadeira faculdade onde fiz de tudo um pouco: cantei, apresentei programas de auditório, fiz programas humorísticos e fiz radionovelas. Na época foi o Orlando Drummond quem me convidou para que fôssemos fazer teste na Herbert Richers. O diretor de dublagem da Herbert me selecionou depois de um teste no qual fiz a voz do rato Ligeirinho; entre outros personagens em paralelo, e partir daí fui uma das primeiras artistas contratadas pela Herbert Richards. Nunca mais deixei de dublar desde então. Durante alguns anos o estúdio funcionava em cima de uma boite na rua Senador Dantas no centro do Rio de Janeiro. Depois que um incêndio destruiu a casa noturna, o estúdio se mudou em definitivo para a Tijuca. Trabalhei muitos anos para a Herbert Richards, até seu fechamento.

Adilson: A dublagem no Brasil começou no final dos anos 50 mas só ganhou força só anos 60 quando o então presidente Jânio Quadros sancionou a lei que determinava o uso da dublagem. Foi difícil a procura pelo espaço e pelo respeito à profissão de dublador?
Selma: No início havia uma coisa ou outra, mas nada definitivo, pois ainda estavam fazendo experiências com o sistema de dublagem. Com a lei facilitou muito o trâmite para a instituição da dublagem, mas inúmeros problemas existiam. Foi uma verdadeira guerra, lutávamos contra muitas coisas, e na época tínhamos alguns líderes como o companheiro de profissão, que já não está mais entre nós, Jorge Ramos – um precursor dessa profissão maravilhosa, o Luiz Manuel também, e outros colegas que estavam de frente, iam a sindicatos e emissores de tv. Havia muita confusão na época quanto à forma de pagamento fosse por hora, por mês ou por loops (segundos corridos de gravação). Brigamos muito até chegarmos aos tempos de hoje em que prevaleceu o pagamento por hora, sendo a primeira hora indivisível. Somente uma coisa não conseguimos, que as emissoras de TV pagassem um percentual a ser pago aos dubladores pelos trabalhos gravados. No início até havia uma obrigatoriedade, quando chegamos a criar uma sociedade chamada ASA em que isso era cobrado das emissoras de TV, mas infelizmente o empresariado, mais forte, venceu. Durante um ano ou um ano e meio consegui receber alguma coisa, mas depois …. Eu tenho até hoje um recibo da TV Educativa que me fez um pagamento por trabalho. Infelizmente, acabamos perdendo esse direito ao longo do tempo.
Adilson: Poderia nos contar sobre alguns dos trabalhos que marcaram sua carreira?
Selma: A novela A Usurpadora é sempre citada em conversas. Eu a dublei também em duas outras novelas. Correu uma história de que essa novela seria reprisada novamente por outro canal de Tv, mas nada foi confirmado. Foram trabalhos maravilhosos e tive o prazer de dublar, por exemplo, Bette Davis, Gloria Grahame, Angela Lansbury, Rita Hayworth (Sangue & Areia), Whoppi Goldberg e Carmen Miranda. Anos mais tarde, foi produzida uma peça de teatro que falava da Carmem Miranda e era projetado um texto sobre ela que eu lia. A Angela, eu dublei em “Se Minha Cama Voasse” (1971), no qual eu cantava. Este foi um dos primeiros filmes da Disney a mesclar realidade e fantasia. Fiz na profissão muita coisa. Dublei a atriz Michael Learned na série “Os Waltons” que sempre terminava dizendo “Boa noite John Boy! Boa noite Mary Hellen.”

Adilson: Que outros trabalhos, além de dubladora, você fez?
Selma: Fiz 26 peças de teatro, incluindo “Gota d’agua” com Bibi Ferreira, que ficou em cartaz por um ano e quatro ou cinco meses. Fiz “Por Falta de Roupa Nova, Passei o Ferro na Velha?” com Henriqueta Brieba, que teve grande apelo popular. Também fiz “O Peru”, uma peça francesa e “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, que foi posteriormente adaptada para a TV. No dia da estreia da peça, a censura entrou no teatro e não permitiu que as cortinas se abrissem, suspendendo a apresentação. Anos mais tarde, com o fim da censura, voltamos a encenar a peça e eu fiquei com o papel da Dona Pombinha. Foi maravilhoso. Fiz todos os programas de Chico Anysio como “Chico City” e “Chico Total”. dublei várias animações como a Madame Patilda de “Duck Tales”, da Hanna Barbera fez a secretária Rosemary de “Hong Kong Fu”, a Laura de “Os Muzzarellas”, a bruxa Vassourinha de “A Feitiçeira Faceira”, “Rei Leão 2” e a Mama Odie de “A Princesa & o Sapo“.