Adilson Carvalho

Tristemente, passados quase 60 anos do lendário discurso “I have a dream” de Martin Luther King, ainda nos perdemos na indigna prática do racismo, espalhado por meios físicos e mídias que nos mostram que esse grande mal ainda persiste. Por isso, nesse aniversário de 1 ano do site cinemacompoesia, também próximos do dia da consciência negra, lembremos dessa que é uma das obras mais impactantes da literatura, que ganhou o prêmio Pulitzer de ficção em 1961 e cuja adaptação cinematográfica completa também 60 anos. O Sol é Para Todos (To Kill a Mockinbird) foi publicado em julho de 1960, reconstruindo as memórias da autora Harper Lee de sua infância em sua cidade natal no Alabama na década de 30. Seu pai era descendente do general confederado Robert Lee (1807-1870), militar vitorioso na guerra de secessão (1861-1865), e advogado que serviu de modelo para o personagem de Atticus Finch.

No livro de Harper Lee (1926-2016), Atticus é um homem de fortes princípios morais, que aceita defender o negro Tom Robinson (Brock Peters – 1927/2005) acusado de ter estuprado uma mulher branca. A situação não era estranha para a autora já que seu pai Amasa Coleman Lee de fato defendeu negros acusados de crime, o que fizera dele mal visto pela comunidade onde morava. A narrativa de Harper é emocionante e seu ponto de vista guia os fatos que se desenrolam em sua comunidade, construindo e destruindo os padrões morais vigentes em seu pequeno mundo suburbano em uma época em que o ódio racial era legitimado, sustentado e defendido por muitos. E nesse ínterim que a narrativa se mostra ainda atual, incômoda quando vemos que os ecos desse ódio ainda são sentidos na contemporaneidade. Temas como estupro e ódio racial tomam forma de um incômodo eco que nos açoita passadas tantas décadas em que o livro foi escrito.

Dois anos depois de sua publicação, O Sol é Para Todos (To Kill a Mockinbird) foi adaptado às telas por Robert Mulligan (1925-2008) na direção e Horton Foote (1916-2009) no roteiro merecidamente premiado pela academia como o melhor roteiro adaptado. De fato, Foote conseguiu extrair a essência do livro de Harper Lee. Embora reduzindo e até mesmo eliminando passagens de personagens como a Tia Calpurnia (Estelle Evans) e a Sra Dubose (Ruth Wilson), Foote se concentrou na batalha de Atticus Finch (Gregory Peck – 1916/2003) em prol de defender Tom Robinson (Peters), e para defender sua família que passa a sofrer ameaças devido à escolha ética de Finch. O filme mostra o advogado idealista e o pai zeloso com seus filhos Jean Louise Finch, chamada de Scout (Mary Badham) e Jeremy Finch, ou simplesmente Jem (Philip Alford). Scout é a personificação literária da própria Harper Lee, com com sua inocência se torna a consciência moral de toda uma comunidade. O filme capta esta força contagiante da narradora em cada sequência visual do filme, que foi o primeiro do ator Robert Duvall, no papel do albino misterioso.

O impacto do filme na carreira de Gregory Peck foi inegável, tendo o próprio sempre dito que foi o personagem com que mais se identificou. O ator e Mary Badham ficaram amigos até a morte dele. Ela o chamava de Atticus e ele a chamava de Scout. O discurso final de Atticus no tribunal com 6 minutos e 30 segundos foi gravado em uma única tomada. O relógio usado pelo ator na cena pertencia ao pai de Harper Lee, tendo sido lhe dado pela própria autora, que disse o quanto Peck se parecia com ele. Ambos se encontraram antes das filmagens se iniciarem, mas infelizmente o pai da autora falecera antes do término das filmagens. Livro e filme se mostram não só ainda impactantes, mas também importantes nesses tempos atuais em que a força do ódio racial ainda assombra a todos. O exemplo de dignidade de Atticus Finch é uma inspiração e suas ações nos guiam tal qual uma bússola moral. Não à toa o personagem foi escolhido como o primeiro na lista 100 heróis e vilões do cinema pelo AFI. Em 2005 foi publicado a continuação “Vá, coloque um vigia“, onde uma Scout adulta volta à cidade de Maycomb, no Alabama para visitar seu pai e se espanta ao se deparar com inconsistências referentes à ética e a pensamentos nos âmbitos político, social e familiar. Em 2016, a autora nos deixou esse legado literário que o cinema soube muito bem adaptar e que vale a pena ler, reler e nos deixar levar pelo impacto de quem , assim como diz o nome original, já matou um tordo.
parabéns pelo artigo, um dos melhores filmes já produzidos nesse contexto, Atticus como vc citou o número 1 dos heróis pelo AFIs, Gregory Peck um dos meus atores preferidos
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