Adilson Carvalho

O texto de Clarice Lispector (1920-1977) é um mergulho na psiquê humana, mistura passado e presente para criar uma dimensão narrativa bem peculiar, uma que mexe com nossos sentidos. Em A Hora da Estrela, adaptado para o cinema com a direção da estreante Susana Amaral, Clarice faz da trajetória de Macabéa, sua protagonista, um pacto com o regionalismo latente no modernismo brasileiro. Sua escrita não está interessada no entanto em fazer desta um papel clichê dentro da estrutura de um típico romance. Clarice rompe com qualquer convenção ao traçar o destino de sua personagem, brilhantemente interpretado por Marcelia Cartaxo. Susana conseguiu extrair a essência das páginas e a traduziu em imagens que nos conduzem pela arte de sua autora, não por menos que o filme foi premiado com o Candango de Ouro com o melhor filme do Festival de Cinema de Brasília, além de ter sido eleito um dos 100 filmes brasileiros mais importantes dos últimos tempos em seleção feita pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). A câmera de Susana nos conduz ao mundo da nordestina Macabea (Marcelia Cartaxo), que busca a sobrevivência na grande cidade, onde procura a integração e a resposta para as indagações que faz sobre a vida e o universo no qual está situada e que deseja compreender. A cineasta penetra no cotidiano de uma mulher comum, sonhadora que pensa, ama, mas se deixa levar pelas pessoas que lhe estão próximas, como a amiga Glória (Tamara Taxman) que a leva à cartomante Carlota (Fernanda Montenegro). A esta cabe a incumbência de revelar a Macabea a chegada da “Hora da estrela“, o momento em que ela encontrará a liberação do mundo mau que a cerca, indo ao encontro do seu príncipe encantado. Isto porque, no livro Como no filme, o título não confere um final de redenção e conquista, mas a hora da própria morte. Apoiado pela exímia direção fotográfica de Edgar Moura, com trilha sonora adequada às situações vividas pela personagem. Em fevereiro de 1986, foi exibido no tradicional Festival Internacional de Cinema de Berlim, onde foi premiado com o Urso de Prata de melhor atriz para a estreante Marcelia Cartaxo. Pouco depois também foi premiado no Festival de Havana como melhor direção para Susana. Um filme que merece ser revisto como a coroação da habilidade de Clarice de fazer das palavras uma viagem reflexiva sobre a vida e a morte, uma obra prima. Disponível na Globoplay.