CLÁSSICO REVISITADO: BLADE RUNNER O CAÇADOR DE ANDRÓIDES – 40 ANOS

Por Adilson Carvalho

Imagine que em um futuro próximo as grandes cidades se tornam extremamente populosas, com a poluição se alastrando por entre imensos prédios castigados por constante chuva, insuficiente no entanto para lavar a sujeira física e moral desta realidade depreciativa. Se você ainda se pergunta se o homem é realmente a imagem e semelhança de Deus, então o que dizer de sofisticados androides dotados de inteligência artificial buscando o sentido da vida ? Se quiser descobrir o que há nisso tudo, bem vindo ao mundo de “Blade Runner – O Caçador de Andróides“, que completa 40 anos de seu lançamento.

     Quando lançado em 1982 o filme não causou nenhum furor imediato aos intrigantes questionamentos da história, em que humanos e replicantes estão mergulhados na filosofia Nietzschiniana em que ao olhar para o abismo, este olha de volta para você. Na verdade, a bilheteria da época não correspondeu ao investimento estimado então em torno de US$28,000,000 e o status cult do filme surgiu ao longo dos anos que se seguiram. O público digeriu devagar as implicações desta perceptível dicotomia entre o velho e o moderno, o humano e o inumano, a vida e a morte. Já sua atmosfera distópica remete ao pesadelo orwelliano misturada à fotografia noir que faz de Rick Deckard (Harrisson Ford) herdeiro futurista dos detetives amorais e cafajestes inspirados na literatura de Raymond Chandler e Dashiel Hammet. A personagem Rachael (Sean Young) representa a sedução gélida e fatal das femme fatales e pivô de uma tensão que se estende para além da aparentemente rotineira investigação de Deckard.

Harrison Ford e Sean Young

      O roteiro de Hampton Fancher, reescrito por David Webb Peoples, adapta o romance “Do Androids dream of electric sheep?” do escritor americano Philip K.Dick publicado pela primeira vez em 1968. O filme adapta o livro apenas na superfície, se concentrando na caçada aos androides fugitivos, que nunca são chamados de replicantes pelo autor. O termo foi sugerido em uma conversa entre o roteirista David Webb Peoples, e sua filha que comentara com o pai sobre a capacidade replicante das células clonadas. O livro também toca na extinção dos animais e a ação se desenvolve em uma São Francisco pós apocalíptica em vez da Los Angeles mostrada no filme. O livro mostra a Terra como um planeta sendo evacuado em favor de colônias em outros planetas como Marte, e os humanos que ainda residem no planeta seguem uma religião chamada Mercerismo, em que seus membros compartilham habilidades telepáticas, o que não é sequer mencionado no filme.

“Lágrimas na chuva ” : belo monólogo de Rutger Hauer

      O filme veio a ser dirigido por Ridley Scott que foi demitido ao longo das filmagens, e depois readmitido devido a conflitos com os produtores do filme. Também tornou-se notório as constantes desavenças entre o diretor e Harrison Ford. Este durante muitos anos se recusou a falar do filme em suas entrevistas, e dizia recusar qualquer possibilidade de voltar ao papel, o que acabou eventualmente fazendo ao voltar ao papel de Deckard na tardia sequência “Blade Runner 2049” (2017), dirigida por Dennis Villeneuve. No filme de 1982, Ford gravou a narração em off, não prevista no roteiro original; extremamente contrariado, forçado pelos produtores que acharam o filme incompreensível no corte original. Anos depois, dois funcionários da Warner teriam encontrado um arquivo considerado perdido, sem a narração em off e com uma montagem que se achou fosse a pretendida por Ridley Scott. Esta suposta versão original chegou a ser lançada em 1989, mas Scott disse que não era assim que ele pretendia fazer, e em 2007 o estúdio fez as pazes com o premiado diretor permitindo que este remontasse o filme como inicialmente pensado, gerando o “Final Cut” e dividindo os fãs com três versões diferentes do clássico.  Curiosamente, muitos acreditaram que o filme carregava uma espécie de maldição pois empresas como a RCA e a Atari, cujos logos são usados no filme faliram tempos depois.

Ryan Gosling e Harrison Ford na sequência “Blade Runner 2049”

         O monologo final de Rutger Hauer (1944-2019), escolhido para o papel de Roy Beatty sem que Ridley Scott o tivesse entrevistado para o papel, foi improvisado pelo ator e a cena previa a principio uma luta entre Roy e Deckard em vez de apenas uma perseguição na chuva. A beleza das palavras “Todos aqueles momentos estarão logo perdidos como lágrimas na chuva” cria um efeito de espelho distorcido entre caça e caçador, homem e replicante, apesar das constantes interpretações de que Deckard seria também um replicante. No final, Não importa se orgânico ou inorgânico, todos procuram pelas mesmas perguntas: Quanto tempo ainda temos? Por que existimos? Podemos prolongar nossa vida? Qual o sentido da vida? Uma relação Franksteniana elevada a uma constrangedora dimensão que muda nossa ato-percepção de forma diferente. Assim o autor adverte nossa humanidade falha, corrupta, ambiciosa e inconsequente. Nisso reside o grande atrativo da história de Philip K. Dick, questionar, explorar os mistérios da contraditória equação humana, sonhando com ovelhas elétricas em nossa vã filosofia.

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