Por Paulo Telles – Cine Retro BoaVista
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É com imenso pesar que soube no último fim de semana sobre o falecimento de um querido amigo, muito embora não viesse a conhece-lo pessoalmente, mas que durante os anos que estive em frente do extinto espaço Filmes Antigos Club – A Nostalgia do Cinema, que editei durante 12 anos, ele sempre esteve presente em meus artigos, sempre comentando de forma eficiente e cheia de riqueza de detalhes. Trocávamos conversas por e-mail e chegamos a nos falar algumas vezes pelo telefone. Mas, acima de todas estas qualidades como cinéfilo e grande resenhista, havia um homem maravilhoso, um ser humano que era de todo “alma e coração” como eu o definia. Falo do querido e saudoso Jurandir Bernardes Lima, alcunhado sempre em suas resenhas como o “Faroeste”. Sim, isso mesmo! Ele era um assíduo amante dos Westerns, fossem eles dirigidos por John Ford, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer Daves ou Sam Peckinpah. No entanto, ao longo dos anos a comentar no meu extinto blog, fui percebendo que ele era um admirador eclético da Sétima Arte, expressando suas observações em qualquer gênero cinematográfico. Um verdadeiro cinéfilo!

Nascido em Salvador (terra boa!), Bahia, a 20 de outubro de 1944, o “nobre Ju” ou o “nobre baiano” como eu o intitulava, adentrou no mundo do cinema através de um primo ainda na sua adolescência. Jurandir se encantou de tal maneira pela grande tela que não mais se separou dela, acompanhando por toda a vida. Inicialmente, foi tomado pelos faroestes, onde seu ídolo principal era Gary Cooper. Entretanto, outros astros também o fazia deslumbrar, como Randolph Scott, James Stewart, Roy Rogers, William Holden, John Wayne, Henry Fonda, Glenn Ford, Alan Ladd, Robert Taylor, Paul Newman, Burt Lancaster, Ernest Borgnine, Robert Duvall, entre outros. Jurandir amadureceu rapidamente, passando a admirar com igual intensidade outros gêneros da Sétima Arte além dos faroestes, e se deixar fascinar por outros astros e estrelas do passado.

Segundo a família, Jurandir começou a trabalhar muito cedo e parte do salário era consumido com idas ao cinema. Um grande jornal de Salvador, chamado A Tarde, circulava diariamente após o meio dia, e aos sábados, saía com um suplemento exclusivo sobre cinema. O “Nobre Baiano”, então um adolescente, comprava um exemplar todo sábado do jornal somente por conta do suplemento, que certamente, era recheado de anúncios e divulgações de filmes a serem apresentados pelas salas de exibição de Salvador. E ele assim acompanhava os filmes em cartaz.

Um fato curioso, narrado pelo irmão de Jurandir, Mariano, chegou-me ao conhecimento: Geralmente, Jurandir mandava os irmãos ou primos (ou todos juntos!), comprar o jornal A Tarde que vinha com o suplemento de cinema tão desejado. Como o suplemento não poderia ser vendido separadamente, o “nobre baiano” queria o jornal em toda íntegra. Para os irmãos e primos, todos ainda meninos, era uma verdadeira “folia” irem a banca em busca do jornal, porém a algazarra era tamanha que o jornaleiro se enfurecia com os guris, acreditando que eles queriam que ele tirasse o suplemento do jornal e desse a eles. O jornaleiro colocava a gurizada para correr, que fugia de tanto medo! Contudo, isso não era frequente, pois o jovem Jurandir não poderia ficar sem seu precioso suplemento sobre cinema.

Nesse suplemento cinematográfico do jornal A Tarde tinha de tudo que se passava no mundo do cinema, inclusive os apontamentos de um crítico de Salvador, José Augusto, que escrevia sempre uma coluna, e Jurandir “devorava” com interesse seus comentários (decerto, do mesmo modo que eu e meu amigo e colega Adilson Carvalho do CCP mergulhávamos profundamente pelas críticas do saudoso Paulo Perdigão pelo jornal O Globo). Além do suplemento, Jurandir chegou a possuir um caderno onde anotava o filme, o diretor, e até mesmo a cotação, isto é, dando até notas de 0 a 5 estrelas.

Mas todo cinéfilo tem lembranças deste porte, que ao longo dos anos torna-se uma reminiscência gostosa de se recordar. E o nobre Ju não era exceção. Era um homem saudoso de uma época em que as salas de cinema eram pelos bairros, o cinema de rua, não nos shoppings como nos nossos dias atuais.

O amigo Jurandir tinha predileção especial por alguns filmes, como Da Terra Nascem os Homens (Gregory Peck, Charlton Heston e Jean Simmons, direção William Wyler), Ben Hur (A versão única e inesgotável com Heston sob a direção de William Wyler), Spartacus (Kirk Douglas, direção de Stanley Kubrick) A Felicidade Não se Compra (James Stewart e Donna Reed, direção de Frank Capra), Os Brutos Também Amam (Shane, com Alan Ladd & Van Heflin, direção George Stevens). E entre muitos… e tantos outros, que o “nobre baiano” sempre comentava comigo, fosse publicamente dentro dos meus próprios artigos no blog, fosse in off por e-mails.

Mas em sua vida pessoal, o “nobre baiano” também gostava de pescar. Lembro-me certa vez que ele chegou a falar isso comigo. Nascido perto do mar, na Ladeira da Barra, entre o Largo da Vitória e o bairro da Barra (Salvador), dentro da Baía de Todos os Santos, com vista magnifica, ele gostava muito de pescaria. Mas no quesito cinema, nunca conheci ninguém, nem antes e nem depois, que pudesse fazer com tanta maestria, com riqueza de observações e detalhes, comentários tão preciosos que, em verdade, eram magníficas aulas.

No livro que publiquei em 2018, Paladino do Oeste, editado em Curitiba pela Editora Estronho como parte integrante da coleção TV Estronho, e escrito juntamente com Saulo Adami, dediquei uma nota para o querido Jurandir, profundo conhecedor do cinema: “ Aos fãs da série Paladino do Oeste e aos amantes do western, em especial ao Jurandir Bernardes Lima, cowboy baiano, um dos melhores comentaristas, com quem sempre troco tiros de conhecimento e paixão pela Sétima Arte”.

É isso, amigos e leitores! Jurandir era tudo isso e ainda muito mais. Cinéfilo, amigo, valoroso pai, marido, avô e irmão. Ele colaborou em outros blogs e sites sobre cinema, sempre mantendo sua linha e sempre a ser destacado por suas valiosas opiniões, fosse acerca de um filme, artista ou diretor, sendo admirado também por outros editores de sites. Infelizmente, com a extinção do Filmes Antigos Club, suas resenhas se perderam. Mas na memória, sempre será mantida viva sua inteligência e capacidade analítica de observar detalhadamente cada grande filme. O querido Jurandir deixa esposa, Ana Maria, e cinco filhas: Ana Patrícia, Ana Paula, Ana Cristina, Aline e Carla. E quatro netos: Fernando, Ana Julia, Luiza e Levi. E é inegável que também deixa um vazio cultural, pois era uma pessoa imensamente humanitária, que com suas opiniões, era capaz de transmitir uma das mais dadivosas qualidades que um ser humano pode emanar para com o próximo: transmitir a arte do conhecimento e sua experiência ao longo de toda sua vida.

Jurandir se foi em 9 de dezembro do ano passado, e somente na última semana fiquei sabendo deste triste ocorrido através de seu irmão, Mariano Bernardes Lima, por e-mail. O último contato que tive com o “nobre baiano” foi no início de 2019, pouco depois de enviar para ele um exemplar do livro Paladino do Oeste. Na ocasião, ele chegou a declarar que estava fazendo poucos comentários nos espaços, por razões pessoais.
Eu, Paulo Telles, e os demais integrantes do Cinema com Poesia (CCP) lamentamos profundamente sua perda e nos solidarizamos com a família e com os demais amigos. E agradeço ao Mariano por fazer contato e informar-me do falecimento de seu irmão.

Fique em paz, nobre baiano! Obrigado por suas colaborações e deixar-nos boas lembranças, que certamente, estão imortalizadas na mente e no coração daqueles que o amam e admiram. O cinema também agradece, afinal, cinema é tudo de bom… e sempre será!
Paulo Telles

Esta homenagem está na íntegra no site da coluna
Quero aqui agradecer ao Paulo Telles por tão nobre homenagem ao meu inesquecível irmão Jurandir Bernardes de Lima. O mano era mesmo um verdadeiro apaixonado por cinema desde tenra idade. Lembro, bem lá trás, nas suas primeiras incursões a esse fantástico mundo do cinema, como ele abordava o assunto. Quem estivesse perto, mesmo não fazendo parte da conversa, voltava a atenção para as suas espetaculares narrativas. Quando ele assistiu a O REI DOS REIS(KING OF KINGS) com Jeffrey Hunter fazendo o papel de Cristo e aquela magnifica trilha sonora, ah, Jurandir entrava em êxtase. As trilhas sonoras o seduziam de tal forma que ele adquiriu na época um curioso hábito: com a boca, imitando uma orquestra, saía o som de uma trilha sonora e com os dedos indicadores de cada mão batia em cada peito num ritmo frenético e perfeito compasso com a música. Muito, muito interessante. Falava com pesar da morte precoce do seu grande ídolo Gary Cooper. Gostava muito do diretor George Stevens dizendo que este só fazia filme bom, exemplo, OS BRUTOS TAMBEM AMAM, ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE, UM LUGAR AO SOL, O DIÁRIO DE ANNE FRANK, A MAIOR HISTORIA DE TDOS OS TEMPOS, entre muitas outros! Eu Mariano, seu irmão caçula, fui muito influenciado por ele, principalmente no cinema onde eu queria sempre imitá-lo, a ponto de aprender também a ser um apreciador da Sétima Arte, embora numa escala infinitamente inferior ao meu querido mano. Certa vez eu, já casado e com filhas e neta, reuni a família para uma sessão especial de cinema em casa com direito a pipoca e intervalo para lanche, para assistir ao filme O DIÁRIO DE ANNE FRANK, versão dirigida por George Stevens, isso por influência do mano que muito apreciava esse diretor. Eu também, lá nos idos da minha adolescência, ainda na tentativa de imitá-lo, comecei a anotar em um caderno aos filmes que assistia, embora com resultados bem aquém do desejado. Ele sempre me passou muitas informações sobre cinema e, por conta disso, passei a ser um apreciador de magnificas trilhas sonoras e oportunamente enviávamos ao outro alguma para recordarmos. Gravei numa ocasião várias trilhas sonoras de grandes filmes que as ouvia no rádio do carro e quando ele soube quis também que gravasse uma para ele. Enfim, estivemos sempre ligados não só por laços biológicos mas também, posso até mesmo dizer, principalmente pela amizade que nos ligava a ponto de o considerar o meu segundo pai. Quero novamente agradecer a Paulo Telles que, além da homenagem ao meu querido mano, torna possivelmente a informação do seu falecimento que chegue ao conhecimento dos donos de blogs que o mano comentava.
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Caro Mariano!
Agradeço de imenso, apesar de muita tristeza, ter comunicando-me sobre o falecimento do querido Jurandir. Posso dizer que em muitos comentários e resenhas que fez, fosse no meu blog ou em outros, ele deixou sua marca, seu legado de grande entendimento e amor pelo cinema, e digo isso porque testemunhei, através de seus escritos, sua admiração pelos grandes cineastas, como George Stevens. Ele comentou muito sobre grandes filmes épicos do cinema e conheci bem sua empolgação ao filme “Rei dos Reis” de Nicholas Ray e sua admiração pelo grande compositor húngaro Miklos Rozsa (que também é um dos meus preferidos). Certamente, Jurandir estará sempre nos nossos corações e mentes, e desejo para você e toda família superação, paz, amor e saúde, em cumprimento com nossos propósitos de vida e realizações. Um forte abraço meu e de toda equipe do CINEMA COM POESIA!
Paulo Telles – Colunista.
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Acabei de rever parte de A FELICIDADE NÃO SE COMPRA, de Frank Capra, com James Stewart. Eu já assisti algumas vezes. É um espetáculo de filme. Tem uma cena sensacional quando ele corre desesperado pela cidade, conhecendo todo mundo, e ninguém o reconhece e, igualmente magnifica quando, ao contrário de antes, todos passam a reconhecê-lo, numa sacada formidável do diretor mostrando quanta diferença pode haver a existência ou não de alguém, como ela pode afetar a trajetória de vida de uns aos outros e, no caso dele, como afetou toda a cidade! Meu falecido irmão, Jurandir(Faroeste), adorava esse filme, ele dizia que quando o assistia ele tinha sempre a sensação que se transformava numa outra pessoa, tamanho era o bem estar que ele sentia, a sensação de felicidade que se apoderava dele! Eu recomendo a quem não assistiu, assista-o, e quem já o viu, reveja-o, vale muito à pena!!!
Mariano Bernardes de Lima
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A MAIOR HISTÓRIA DE TODOS OS TEMPOS
SINÓPSE
A vida de Jesus de Nazaré (Max von Sydow). Seu nascimento, as pregações, milagres, julgamento, crucificação e ressurreição.
O mano Jurandir(Faroeste), como grande cinéfilo, tinha algumas predileções: destacava alguns filmes, alguns atores e alguns diretores. Um dos diretores que ele amava de verdade foi George Stevens(Os brutos também amam – Shane; Assim caminha a humanidade; Um lugar ao sol; O diário de Anne Frank; A maior história de todos os tempos, etc, etc! Ele dizia que tudo que George Stevens fez foi bom, ou seja, era um carimbo de qualidade e, consequentemente, de indicação.
Jurandir, em companhia de sua noiva Ana Maria, com a qual casaria, e de sua sogra D. Bela, me levou também com eles para assistirmos, no Cine Tupy, início da Baixa dos Sapateiros, ao lançamento desse magnífico filme aqui em Salvador-BA(1966 ou 1967).
George Stevens reuniu um vasto e grandioso elenco(Max von Sydow(Jesus Cristo), Dorothy McGuire(Virgem Maria), Charlton Heston(João Batista), John Wayne(Centurião na crucificação), Sidney Poitier(Simão Cirineu), Van Heflin(Bar Amand), Martin Landau(Caifás), Joanna Dunham(Maria Madalena), Gary Raymon(Simão Pedro), Telly Savalas(Pôncio Pilatos), David McCallum(Judas Iscariotes) e muitos outros magníficos atores e produziu e dirigiu um dos maiores filmes sobre a vida de Cristo: A maior história de todos os tempos(The Greatest Story Ever Told). Talvez tenha sido o filme a reunir, numa só película, o maior número de atores tão conceituados.
Uma cena a ser destacada é quando vão prender João Batista. Este se encontrava no Rio Jordão na sua profética missão de prenunciar a vinda de Cristo. Os guardas, entrando no rio para prendê-lo, João simulando resistência à prisão, como numa luta, mergulha-os nas águas do rio, como a batizá-los, bradando “Arrependei-vos”, “Arrependei-vos”!!!
Sugiro quem ainda não assistiu, assista-o e quem já assistiu, possa revê-lo.
Mariano Bernardes de Lima (07/04/2023)
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A semana passada estive em casa do meu falecido irmão Jurandir(Faroeste) e as minhas sobrinhas, filhas dele, haviam separado algumas coisas dele para mim: um caderno de anotações de filmes, algumas revistas especializadas sobre cinema e o livro PALADINO DO OESTE, que um dos autores(Paulo Telles) lhe presenteou com dedicatória e. Pois é, meu amigos, estou de posse de um magnífico acervo do mano onde constam anotações de mais de 02 mil filmes entre filmografias de grandes atores e diretores. Na verdade esse não é o primeiro caderno dele, aquele lá de trás, o primeiro, aquele caderno capa dura, bonitão, que tanto me inspirou, é um outro maior e mais completo que pode ser uma fonte de pesquisa para qualquer cinéfilo, iniciante ou mesmo veterano. Ah! Quanta saudade do meu mano, que, apaixonado pelas grandes trilhas sonoras de grandes filmes, lá nos idos da sua iniciação à sétima arte, imitava as canções fazendo um som pela garganta e ao mesmo tempo que batia em compasso em cada lado do peito com o indicador como se fosse uma vareta tirando um som maravilhoso. Não canso de dizer que observava aquilo com um encantamento tão grande!
Mas é isso, estou de posso do caderno, do livro e de revistas do meu querido e saudoso irmão!
Mariano Bernardes de Lima(08/05/2023)
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