Por Adilson Carvalho

Ainda vivemos moldados por uma cultura hedonística, acentuada por um culto à celebridade, que alcança limites cada vez mais absurdos à nossa volta. Se existe uma mensagem em A Substância (The Substance), da roteirista e diretora francesa Coralie Fargaut, é o quão ridículo e monstruoso é essa cultura e como ela atinge as mulheres muito mais. Demi Moore interpreta Elizabeth Sparkle, uma celebridade da TV em declínio que é inesperadamente impactada por ser demitida de seu programa fitness. Abalada por sentir que aos 50 anos não serve mais ao status quo, ela decide tentar uma droga experimental capaz de replicar suas células, criando uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma, a jovial Sue (Margaret Qualley). A coexistência entre ambas vai gradativamente se tornando impossível, à medida que transitam em um mundo de fama e exposição. Demi Moore disse que estava nervosa por filmar nudez total aos 59 anos e que se sentia vulnerável. Mas atribuiu à sua colega Margaret Qualley, que tinha 29 anos na altura das filmagens e representava uma versão mais jovem da sua personagem, o mérito de a ter feito sentir-se confortável no cenário. Qualley também actuou totalmente nua. Coincidentemente, a mãe de Qualley, Andie MacDowell, co-estrelou 40 anos antes com Demi em O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (1985), um filme que fez a carreira das duas atrizes. O filme de Coralie Fargaut bebe da fonte do clássico O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, para ilustrar a batalha diária das mulheres que lutam contra uma cultura machista que as escraviza diante do espelho. O personagem de Dennis Quaid, que teria sido interpretado por Ray Liotta, mas este faleceu antes, é o supra sumo da canalhice tóxica a que as mulheres são submetidas. Nesse sentido, o filme funciona muito bem, apesar do exagero visual que toma conta da tela no terço final, nitidamente inspirado em A Mosca (1986) de David Cronemberg. Demi mostra coragem ao vestir um personagem que se conecta com sua própria história, estrela dos anos 80 e 90, um sexy symbol de filmes como Proposta Indecente (1993), Assédio Sexual (1994) e Streap Tease (1996), que lutou contra a própria imagem quando percebeu ter sido estereotipada ao longo de sua carreira, e por isso mesmo seu papel de Elizabeth Sparkle é uma justa vingança contra a máquina a que serviu. O terço final do filme perde ao abusar do body horror, e os diálogos perdem força para denunciar o etarismo monstruoso que vitimiza principalmente os profissionais da mídia, e os que sonham com uma estrela que logo será manchada. foi indicado a 5 Oscars: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original, Melhor Maquiagem e Penteado
O exagero do filme no terço final diria que é bem vindo.
É como avisar do perigo a alguém e percebendo que ele não se dá conta você dá um tapa na cara da pessoa para ela acordar.
Hoje as pessoas não captam bem a sutileza das coisas no meio de tantas mensagens e informações que são tantas que não conseguimos distinguir entre as essenciais e as banais. Por isso que o exagero faz reverberar mais.
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